Artigo

ENVELHECIMENTO E NATAL

Ao refletir sobre o envelhecimento e seu lugar na sociedade, lembrei-me de ter lido em algum lugar que durante todo o período helenista, havia uma relação muito íntima entre a velhice e a sabedoria. Os velhos eram aqueles capazes e responsáveis por adquiri-la e transmiti-la. Ser mais velho era ser mais sábio.

Quando e como isso mudou? Qual foi o percurso feito pela sociedade até chegarmos aos tempos atuais em que enfrentamos o idadismo e tantos outros “ismos”.

Acredita-se que Homero tenha nascido em 850 a.C., entre os séculos IX e VIII a.C.

No auge de sua criatividade, Homero sempre foi representado na escultura, tradicionalmente, como um homem bem idoso.

O status de velhice muda a partir do século VI a.C. O poder dos anciãos torna-se mais fraco. Os conhecimentos adquiridos individualmente suplantam aqueles transmitidos pelos anciãos.

Há uma individualização da sabedoria. Conhecimentos são cada vez mais apreciados pela burguesia livre das cidades que florescem e pelas associações secretas (como a de Pitágoras e seus discípulos) que apoiam e respondem a um novo tipo de necessidades intelectuais.

Dá-se início então a um enfraquecimento dos anciãos e do princípio de senioridade.

Para esses novos filósofos urbanos, a velhice já não é mais uma condição à credibilidade.

Observa-se então a mudança de status social de tais anciãos. Seu papel, que era o de reinar no sentido familiar, econômico e social, muda radicalmente.

A urbanização leva o homem à competição social e econômica independentemente da idade. A lógica e o cálculo rejeitam qualquer autoridade tradicional. A educação passa ser o valor-chave e não mais a idade.

Na cidade estado, berço da civilização ocidental, dá-se início à expressão de uma autêntica aversão pelas perdas sofridas durante a velhice.

Desenvolvem-se manifestações de ironia em relação aos mais velhos sendo que a mais enfatizada é a de colocá-los na posição de ridículos.

A natureza humana cuja essência é a racionalidade, deve ser atingida pela virtude, ou seja, pelas capacidades individuais, desenvolvidas graças à educação e à prática política.

O aprendizado é prescrito na velhice para substituir ou reestruturar a experiência sempre como meio de compensar as perdas biológicas acarretadas pelo envelhecimento.

Já nessa época, a comédia grega clássica era bem dura em relação aos idosos.

Daí, ganhou influência na vida pública. É assim que a comédia zomba dos velhos que usurpam os direitos como juízes ou que desejam seduzir uma jovem a qualquer custo. Essa comédia denuncia também a avareza dos velhos.

As belas artes gregas, também não se interessam mais pela velhice: elas expõem as belas formas dos corpos de jovens heróis ou atletas.

Em Roma, muitas vezes, os homens idosos são descritos de maneira mais ou menos repulsiva, como beberrões.

Na Grécia, mesmo depois que o feudalismo perdeu sua força por causa da urbanização e que a nova cultura da beleza da juventude se estabeleceu, mantem-se a convicção de que o filho mais velho deve ser responsável pelos pais ao envelhecerem.

Em Roma, a imagem do pai é mais acentuada do que na Grécia. Mas, isso não impede que conflitos entre gerações surjam. Pais que são muito exigentes ou filhos que não dão o necessário.

Há um princípio de senioridade, mas não de gerontocracia. E, os idosos não têm lugar no Senado.

Já na tradição religiosa, a veneração pela velhice e pelo patriarcado, derivam da perenização da família e dos grupos de tribos. O conceito de imortalidade é baseado na noção de fertilidade e de procriação. A imortalidade está associada ao “grão”, a descendência que garante a redenção.

A ética segundo os ensinamentos cristãos refere-se a ajudar qualquer pessoa que esteja necessitada.  A velhice no cristianismo não recupera sua importância baseada na estrutura social. A velhice sofre uma revalorização indireta através da prioridade dada aos homens necessitados.

Segundo estudos sociológicos, na sociedade pós-moderna existe, para além das estruturas familiares, pouco reconhecimento da importância social ou cultural das gerações mais antigas.

O culto à juventude, consequência das mudanças tecnológicas e informáticas muito rápidas, avançou muito rapidamente para explicar a falta de reconhecimento para com a velhice. Além do mais, o idoso que não tem uma função definida na sociedade não pode ser reconhecido.

Enquanto o princípio de senioridade se impôs em quase todas as civilizações tradicionais do mundo, a cultura europeia baseada na antiguidade greco-romana e nas tradições cristãs, tão importantes para a sociedade mundial, procurou estabelecer, muito antes da modernidade e da industrialização, a ideia da irrelevância da idade.

 

A modernidade traz a quase impossibilidade de qualquer sabedoria, mesmo na idade avançada. Há algo inquietante no campo do saber. A entrada em cena do conhecimento científico vai determinar uma separação que antes não havia: a separação entre conhecimento e erudição, de um lado, e sabedoria, de outro, sendo que esta ocupará agora um lugar muito menor no universo cultural.

O conhecimento se fragmenta em especialidades, tornando-se igualmente mais técnico.

No século XVIII, em toda a Europa, a população cresce e rejuvenesce graças a uma melhor higiene, mas o domínio do velho na família e na sociedade começou a mudar. A Revolução Industrial pode ser considerada a causa fundamental de grandes transformações estruturais especialmente no mundo ocidental. Surge a vida nuclear, na qual o idoso perde seu espaço e não sendo mais produtivo economicamente, passa a ser considerado improdutivo e descartável. Surge o conceito negativo da velhice.

O livro de Oscar Wilde (1890), O Retrato de Dorian Gray, mostra o desejo de prolongar a existência sem precisar envelhecer. É uma crítica sensacional sobre a supervalorização de uma beleza submetida à juventude.

A valorização da juventude e da beleza foi prescrita em nossa sociedade moderna. Os meios midiáticos estimularam e ainda estimulam o ideal de um corpo perfeito, atrelado à juventude, felicidade e sucesso.

Em contraponto, a velhice é vista como feia. A finitude é para os outros. Dois temas tabus. O velho é percebido como incapaz, doente, improdutivo. Ele está próximo da finitude. Em um ato de autopreservação, as pessoas se afastam desses critérios. E perdem a percepção pessoal de sua velhice. Somente o outro envelhece. A velhice é um estigma.

Apesar de o Brasil ter atualmente 34 milhões de pessoas acima de 60 anos, ou seja, quase 16% da população, esse preconceito perdura – os idosos são desrespeitados, desvalorizados e alvos de preconceitos.

Fontes: Eliane Jost Blessmann: Corporeidade e Envelhecimento: O significado do corpo na velhice”.

Leopold Rosenmayr: L’image de la vieillesse à la naissance de l’Europe.

 

E O QUE TEM A VER PAPAI NOEL COM TUDO ISSO?

Dicotomicamente, temos a figura de PAPAI NOEL na sociedade moderna.

A origem histórica do Papai Noel está diretamente relacionada com São Nicolau de Miratambém chamado de Nicolau Taumaturgoum bispo cristão que viveu entre os séculos III d.C. e IV d.C. São Nicolau viveu na Ásia Menor (região que corresponde, atualmente, à Turquia) e ficou conhecido por sua generosidade.

Papai Noel está relacionado à tradição e à continuidade. Sua figura é transmitida de geração em geração e contribui com a sensação de família e de nostalgia que permeia o espírito natalino.

Esse personagem é um mito. É magia. Faz parte de um ritual social. Papai Noel é um personagem bom e sorridente e, portanto, faz parte das representações positivas da criança.

Essa figura mítica, representa através da imagem de idoso, a sabedoria e a paciência.

Papai Noel é velho, barrigudo, grisalho e se veste de vermelho. Está longe de corresponder à imagem de juventude e beleza moderna e aos preceitos das artes gregas.

E ninguém acha ele feio.

Papai Noel teria hoje aproximadamente 1.676 anos!

Mas, Papai Noel soube se cuidar e envelhecer bem!

Cheio de energia, vitalidade, empreendedor, bem-humorado, tem grande sociabilidade, ágil, esportista – sobe nos telhados, desce pelas chaminés, controla as renas e incentiva a alegria através de seu “Ho-ho-ho”.

Tomara que Papai Noel saiba demonstrar aos preconceituosos o quanto ele é, naturalmente, a antítese das ideias que ao longo dos anos colaram aos anciãos.

Papai Noel reintegra o idoso ao seio da família.

Ele trabalha, pratica atividade física, é criativo, tem disposição, experiência, sabedoria…

Ele representa o espírito Natalino, mas é também o exemplo de que a velhice se enquadra perfeitamente no dia-a-dia de nossa sociedade.

Papai Noel é o amalgama de uma sociedade totalmente inclusiva.

Desejo a todos, um Natal regado a 365 Papais Noeis durante seu ano.

 

FABIENNE GUTTI

Nadadora Master e idealizadora da YEROS
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