Artigo

A vida é uma maratona, não uma corrida de 100 metros

Se continuarmos a desempenhar as atividades com independência, nossa qualidade de vida será maior

Alexandre Kalache

Médico gerontólogo, presidente do Centro Internacional de Longevidade no Brasil (ILC-BR)​

RIO DE JANEIRO

A vida deixou de ser uma corrida de 100 metros –o marco final estava à vista. Tornou-se uma maratona, na qual não sabemos aonde vamos chegar.

Quem já participou de uma maratona sabe que é preciso preparo, estamina, determinação e conhecimentos para chegar bem ao final.

Há barreiras e tropeços no meio do caminho, como acontece na vida mais longa. Ocorrem, sim, perdas —de status, finanças, saúde, entes queridos.

Acumular reservas ao longo do curso de vida aumenta a chance de saborear a almejada longa vida.

Quando eu nasci, a esperança de vida de um brasileiro não passava de 45 anos. A maioria dos que nasceram em 1945 ficaram pelo caminho.

Meu vizinho acaba de ter um filho que espera viver 77 anos. Como eu, esse bebê deve ultrapassar a média por ter também nascido em “berço rico”. Como a Covid-19 deixa escancarado, nossas desigualdades condenam muitos a vidas mais curtas.

O que fazer para somar vida aos anos já conquistados? Meu referencial está no paradigma do Envelhecimento Ativo, definido pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como “o processo de otimizar as oportunidades para saúde, aprendizagem ao longo da vida, direito a participar integralmente da sociedade e, segurança de uma velhice minimamente protegida”.

São vários os determinantes que influenciam esse envelhecer com qualidade de vida: acesso a serviços sociais e de saúde; fatores comportamentais (estilos de vida); fatores pessoais (não somente hereditários, pois eles contribuem apenas com 25% da chance de terminar bem a maratona, refiro-me à forma de encarar a vida, com mais otimismo, bom humor, leveza); fatores relacionados ao meio ambiente não só físico mas também o social; e fatores econômicos.

Cada um deles influencia o envelhecimento ativo individualmente, mas cada qual influencia os outros.

Quanto mais coesos, melhor o resultado. Sempre observando que a cultura da sociedade em que vivemos e o gênero a que pertencemos são primordiais: uma mulher negra, pobre, em uma sociedade racista e machista tem muito menos chances que um homem branco, hétero e rico.

A perspectiva de curso de vida é fundamental. Sabemos que nosso pique de “capacidade funcional” chega ao auge na idade adulta jovem. Não tenho hoje a força física ou a rapidez que tinha aos 30 anos. Nem preciso.

Se continuarmos a desempenhar as atividades da vida diária com independência, nossa qualidade de vida será muito maior do que quem caiu abaixo do limiar de dependência precocemente.

A notícia boa é que, a qualquer momento de nossa trajetória, há sempre oportunidade de corrigir o que precisa ser corrigido.

Atenção, no entanto, para o mantra: quanto mais cedo melhor, nunca é tarde demais. Comece a se preparar para a prometida longa vida já. Se não aos 20, aos 30, 50, 70, 80… Sempre há ganho, mas quanto mais cedo começarmos, maior ele será.

FOLHA LANÇA SEÇÃO SOBRE LONGEVIDADE

No último dia 27 de setembro, a Folha começou a publicar a seção Como Chegar Bem aos 100, dedicada à longevidade. A série integra os projetos ligados ao centenário do jornal, a ser celebrado em fevereiro de 2021.

A curadoria da seção é do médico Alexandre Kalache, ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde). Ele também vai assinar alguns dos textos.

 

FOTO DE CAPA: O dentista Benedito Sergio Bassit faz exercício em uma academia de São Paulo – Eduardo Knapp – 27.abr.2011/Folhapress

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