A perda de massa muscular é uma incapacitante condição da terceira idade. Mas a medicina pode vir a ter opções para recuperarmos a força perdida, graças ao investigador português Pedro Sousa-Victor.
Pedro Sousa-Victor está a trabalhar em benefício da velhice de todos nós. Depois de seis anos a fazer o pós-doutoramento no Buck Institute, em São Francisco, nos EUA – uma das poucas instituições do mundo totalmente dedicada ao estudo do envelhecimento – o investigador de 38 anos é líder de grupo no Instituto de Medicina Molecular – João Lobo Antunes (iMM), em Lisboa, onde estuda uma forma de regenerar órgãos envelhecidos, sobretudo o músculo. Recebeu, para esse efeito, uma Bolsa de Pós-Doutoramento Júnior Leader, atribuída pela Fundação ‘la Caixa’, em 2019, para iniciar a sua própria unidade de investigação em Envelhecimento, Reparação de Tecidos e Envelhecimento de Células Estaminais no iMM.
Os cabelos brancos ou as rugas são sinais da idade que começamos a notar desde cedo, mas estas são meras consequências do envelhecimento celular que, na verdade, nos vai dar problemas bem maiores, mais tarde na vida. O laboratório de Pedro Sousa-Victor está focado especificamente no envelhecimento das células estaminais adultas e na perda de capacidade regenerativa que isso implica.
“As células estaminais são especiais porque, nos tecidos onde estão presentes, funcionam como células progenitoras que são capazes de restaurar as células do próprio tecido”, explica o investigador. No caso do músculo, sempre que sofremos uma lesão – uma contratura muscular, uma queda ou algo mais grave – são as células estaminais adultas que fazem magia. “Quando ocorre o dano muscular, a célula estaminal é chamada à ação, ativa-se e prolifera. As fibras musculares danificadas são removidas pelo sistema imunitário, e a célula estaminal dá origem a novas fibras, formando músculo novo”, diz o investigador. “É a este processo que chamamos regeneração. As células estaminais são as únicas que têm capacidade de fazer isto quando já somos adultos.” Acontece que, com a idade, também estas células envelhecem e deixam de o conseguir fazer.
Na expectativa de entender melhor como envelhece a célula estaminal, este projeto privilegia duas formas diferentes de olhar o mesmo problema. A primeira é perceber como é que os sinais inflamatórios contínuos promovem o envelhecimento da célula estaminal. A segunda é entender em que medida o ambiente envolvente da célula contribui para o seu envelhecimento. “Estamos a estudar especificamente uma molécula chamada MANF [Mesencephalic Astrocyte Derived Neurotrophic Factor], um imunomodulador capaz de alterar o ambiente para que seja mais anti-inflamatório. O objetivo final é propor formas de prevenir mais eficazmente este envelhecimento e de tentar rejuvenescer os músculos.”
Hoje, a única forma de tentar retardar um pouco a perda de massa e força muscular característica da terceira idade – designada como sarcopenia – é uma alimentação equilibrada e exercício físico. Apesar disso, a sarcopenia parece quase inevitável, com tudo o que implica: sensação de peso ou rigidez nos membros, aumento do risco de quedas e problemas de mobilidade que se traduzem na dificuldade de fazer coisas tão simples como subir umas escadas ou pentear o cabelo. Nos casos mais avançados, pode causar dificuldade respiratória, levando à morte. E não existe hoje em dia qualquer intervenção médica capaz de reverter este estado.
O uso de células estaminais em doenças associadas ao envelhecimento pode vir a ser uma realidade na prática clínica ainda nesta década, fazendo com que o número de anos de vida saudável comece a acompanhar o aumento de longevidade.”
Mas, reconhece o cientista, para intervir no próprio processo de envelhecimento “é possível que ainda estejamos longe.”
Pedro Sousa-Victor acredita que a qualidade mais importante de um investigador é a curiosidade. Foi ela que o fez começar a ler livros científicos durante a adolescência e que, mais tarde, o levou a compreender que se sabia tão pouco sobre o envelhecimento e a querer saber mais. E é a curiosidade que o mantém entusiasmado e que conduz a toda a persistência necessária. “Não é fácil fazer investigação, passamos por longos períodos sem resultados.” Exemplifica com o seu doutoramento: o projeto acabou por ser um sucesso, foi publicado na Nature, mas durante dois anos parecia que “não ia chegar a lado nenhum”. “Tem de haver alguma coisa que nos mantenha motivados, com capacidade de trabalhar muitas horas seguidas em algo que parece não estar a funcionar. A curiosidade é essa coisa: o facto de a pergunta ser tão interessante que se quer mesmo, mesmo saber a resposta.”
Este artigo faz parte de uma série sobre investigação científica de ponta e é uma parceria entre o Observador, a Fundação “la Caixa” e o BPI. O projeto Can Stem Cells be Used to Rejuvenate Old Organs? / Podem as Células Estaminais Ser Usadas para Regenerar Órgão Envelhecidos?, de Pedro Sousa-Victor, do iMM, foi um dos 33 selecionados (dois em Portugal) – entre 775 candidaturas – para financiamento pela fundação sediada em Barcelona, ao abrigo da edição de 2019 do programa de bolsas de Pós-DoutoramentoJuniorLeader. O investigador recebeu 305 mil euros por três anos. As bolsas JuniorLeader apoiam a contratação de investigadores que pretendam continuar a carreira em Portugal ou Espanha nas áreas das ciências da saúde e da vida, da tecnologia, da física, da engenharia e da matemática. As candidaturas para a edição de 2021 estão abertas até 7 de outubro.
FONTE: OBSERVADOR
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