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Artigo em Destaque: “Viajar Devia Ser Considerada Uma Atividade Humana Essencial”

Viajar não é uma atividade racional, mas está nos nossos genes. É por isso que devíamos começar a planear uma viagem agora.

Tenho feito bom uso do meu passaporte ultimamente. Uso-o como base para os copos e para nivelar as pernas da mesa. É um brinquedo excelente para os gatos.

Bem-vindo à pandemia de deceções. As viagens foram canceladas, ou nunca planeadas, para não serem canceladas. As reuniões de família, os anos a estudar no estrangeiro, as férias de preguiça na praia… desapareceu tudo. Foi tudo obliterado por um minúsculo vírus e por uma longa lista de países onde os nossos passaportes não são bem-vindos.

De acordo com este relatório, apenas 33% dos americanos afirmam ter viajado para passar uma noite fora em lazer desde março, e apenas um pouco mais, cerca de 38%, afirmam que provavelmente o irão fazer até ao final do ano. E apenas 25% dos americanos planeiam sair de casa no Dia de Ação de Graças, normalmente o período mais movimentado nos EUA. Os números pintam um cenário sombrio sobre as nossas vidas paralisadas.

Não é natural sermos tão sedentários. Viajar está nos nossos genes. Durante a maior parte do tempo em que a nossa espécie existiu, “vivemos como caçadores-coletores nómadas que se moviam em grupos de 150 pessoas ou menos”, escreve Christopher Ryan em Civilized to Death. Esta vida nómada não foi por acidente. Foi útil. “Mudar para um terreno vizinho é sempre uma opção para evitar um conflito ou apenas para mudar de cenário social”, diz Christopher. Robert Louis Stevenson colocou as coisas de forma mais sucinta: “A grande questão é mudar.”

E se não nos conseguirmos mover? E se não formos capazes de caçar ou coletar? O que deve um viajante fazer? Existem muitas formas de responder a esta pergunta. “Desespero”, porém, não é uma delas.

Somos uma espécie que se adapta. Conseguimos tolerar breves períodos de sedentarismo forçado. Uma pitada de negação também ajuda. Não estamos de castigo, é o que dizemos a nós próprios. Estamos apenas entre viagens, como um vendedor desempregado entre oportunidades. Passamos os dias a ver fotografias antigas de viagens e atualizações no Instagram. Olhamos para as lembranças. Tudo isto ajuda. Durante um tempo.

Tentamos manter um ar corajoso. “Nação Caseira”, declarava alegremente a capa da revista Canadian Traveler, como se fosse uma escolha.

Nos EUA, a U.S. Travel Association, a organização comercial do setor, lançou uma campanha de recuperação nacional chamada Let’s Go There. Suportada por uma coligação de empresas relacionadas com o turismo – hotéis, agências, companhias aéreas – o objetivo desta iniciativa é encorajar os americanos a transformarem o desejo de viajar em realidade.

A indústria de viagens está a sofrer. Os viajantes também. “Mergulhei tanto na minha deceção que quase doeu fisicamente”, disse-me recentemente a jornalista parisiense Joelle Diderich, depois de cancelar cinco viagens nesta primavera.

O meu amigo James Hopkins é um budista que vive em Katmandu. Poderíamos pensar que ele se iria dar bem durante o confinamento, uma espécie de retiro de meditação obrigatório. E assim foi, durante um tempo.

Quando falámos recentemente pelo Skype, James parecia abatido e desiludido. Ele confessou que estava a ficar inquieto, “e ansiava pelo antigo roteiro de viajar por 10 países por ano”. Nada parecia ajudar, disse James: “Não importa quantas velas acendo, ou o incenso que queimo, e apesar de viver num dos lugares mais sagrados do sul asiático, eu simplesmente não consigo mudar os meus hábitos.”

Quando acabámos de falar, senti-me aliviado, o meu mau humor estava validado. Não sou eu; é a pandemia. Mas também fiquei preocupado. Se um budista em Katmandu estava a enlouquecer, que esperança poderíamos ter?

Creio que a esperança está na própria natureza de viajar. Viajar implica um pensamento positivo. É preciso um salto de fé e de imaginação para embarcar num avião para uma terra distante, esperando e desejando alcançar o sabor de algo deslumbrante. Viajar é uma das poucas atividades em que nos empenhamos sem saber o resultado, e deleitamo-nos nessa incerteza. Nada é menos memorável do que a viagem que corre exatamente como planeada.

ERIC WEINER (National Geographic

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