Esta semana, destacamos o artigo “A fraca resposta dos lares às necessidades: «Não é fácil ser-se velho em Portugal»”, da autoria do jornalista Amadeu Araújo, publicado no semanário Expresso.
A fraca resposta dos lares às necessidades: “Não é fácil ser-se velho em Portugal”
Listas de espera de meses, vagas condicionadas devido à pandemia, mensalidades no sector privado acima dos €1000, que se agravam se os utentes sofrerem de demências. Sem vagas nos lares, os idosos foram abandonados em casa
Joaquim tem 83 anos, um pacemaker, cancro e diabetes, falhas de memória e dificuldades motoras. Josefina sofre de demência, é incontinente e está a perder a mobilidade, o que lhe provoca quedas sucessivas. Passam os dias sozinhos em casa, acompanhados por um cuidador informal que os visita de manhã, à hora do almoço e ao deitar. A alimentação chega através de apoio domiciliário e ao final do dia recebem a visita dos filhos, que os querem institucionalizar num lar mas não conseguem vaga.
Juntas, as duas reformas não ultrapassam os €1000, insuficientes para pagar a mensalidade de um lar privado. E Maria, filha de Joaquim e de Josefina, não consegue encontrar um lar para os pais. “Precisam de cuidados permanentes”, mas nos lares “não há vagas”, desabafa. Nas instituições que têm acordos de cooperação com a Segurança Social, onde as mensalidades são comparticipadas, “a resposta é sempre a mesma”. Pedem os dados dos idosos, declaração de rendimentos e situação clínica. E “esperam-se meses até que surja algo”. O que ainda não sucedeu.
Nos lares privados as respostas são outras. “Há sempre vaga, com custos que variam entre os €1200 e os €2400 mensais por pessoa”, adianta. Nestes lares “há ainda a cobrança de €200 quando o idoso é dependente” e os custos com fraldas e medicamentos “são pagos à parte”, conclui Maria cujos pais são ajudados por uma vizinha, a quem paga mensalmente.
SEM RESPOSTA NAS CIDADES, PROCURA-SE NO INTERIOR
Joaquim e Josefina vivem no distrito de Viseu, mas por todo país o retrato é comum a outras famílias que não conseguem vaga nas estruturas residenciais para idosos, como agora se designam os lares, para pessoas de baixos recursos e que estão lotadas.
“Há lista de espera para idosos que têm pensões pequenas que não lhes permitem pagar a institucionalização”, reconhece Carlos Tomás, provedor da Misericórdia de Mangualde. E lembra que o custo de um idoso num lar “ronda os €1200, e nem todos o conseguem suportar”. Num país que tem 85% dos idosos com reformas médias em torno dos €400, o tempo de espera para conseguir uma vaga “é de três semanas, que pode ser maior em muitos lares, porque sem resposta nas cidades os filhos procuram lares fora dos grandes centros”, revela Carlos Tomás.
Os lares “apenas são obrigados a dispor de um reduzido número de vagas para os casos sociais, aqueles em que as reformas não pagam os custos”, reconhece. Há ainda “os espaços de isolamento, criados devido à covid-19, e mesmo que sejam seis camas fazem sempre falta”. Numa situação destas, cabe ao Serviço de Atendimento e Acompanhamento Social responder às necessidades dos idosos, mas as instituições “não têm forma de aumentar as vagas ou a capacidade de resposta”, adianta. Com o Estado a suportar 34% do custo médio de cada utente e sem que as magras pensões suportem o remanescente, “aumentam as dificuldades das instituições sociais e crescem as listas de espera”, conclui o provedor.
A falta de vagas “aumentou devido à demografia e ao envelhecimento da população”, constata Manuel Lemos, presidente da União das Misericórdias Portuguesas. Sem resposta na área de residência, muitas famílias procuram, “quando a conseguem, às vezes depois de muitos meses”, vaga em instituições “a 200 e 300 km da residência, o que deixa os idosos sem visitas, desenraizados”.
O responsável reconhece que “não é fácil ser velho em Portugal” e lembra que “o problema é conhecido há vários anos”. A solução “também”: aumentar a oferta.
Mas as instituições sociais somam resultados negativos, agravados com os custos com a pandemia, que deixaram “mais de 40%” sem capacidade de resposta, faz notar Manuel Lemos.
José Carreira, Fundador e Coordenador do Centro Apoio Alzheimer Viseu , reconhece que “são muitas as famílias que não encontram uma vaga convencionada e não conseguem suportar os valores praticados pelos lares privados”. E as dificuldades aumentam quando o idoso “é pobre e sofre de demência”. E aponta as “pessoas com demência, que sofrem uma deterioração cognitiva devido à falta de envolvimento social em resultado do isolamento”.
Falta “um plano nacional para a demência”, diz José Carreira, que defende uma “economia do cuidado, olhar a velhice de frente e dar dignidade aos idosos”. E pede a “desinstitucionalização dos cuidados”, num modelo assente em apoio domiciliário, monitorizado por equipas multidisciplinares.
“NEGÓCIO GERIÁTRICO APETECÍVEL”
Sem oferta no sector social e com as mensalidades nas instituições privadas “superiores àquilo que os rendimentos das famílias podem suportar”, o retrato é de “uma progressiva mercantilização do sector dos cuidados das pessoas idosas, com a entrada de multinacionais e fundos de investimento”, acusa Carreira. Cuidar dos idosos “está a transformar-se num negócio geriátrico apetecível para poucos e potencialmente segregador para muitos”.
Perante a população em envelhecimento acelerado e a criação de novas estruturas residenciais para idosos “insuficiente face ao acelerado agrisalhamento da população”, o dirigente das Obras Sociais Viseu reclama uma nova estratégia. O “atual” modelo não está a ser capaz de dar a resposta de que todos precisam, “independentemente da sua condição socioeconómica”.
Com mais de metade dos idosos portugueses com um risco de pobreza de 88,8% sem transferências sociais, Manuel Lemos preconiza o “alargamento” da rede de lares convencionados e invoca os €300 milhões disponíveis no Plano de Recuperação e Resiliência.
Lembrando que tem prevista “uma componente de requalificação e criação de novas respostas sociais” e prepara um programa para o aumento das vagas em lares de idosos, “que recebeu várias candidaturas”, a Segurança Social diz ter atualmente apenas 2560 vagas sociais, que correspondem a “20% da capacidade em respostas com comparticipação pública e em 10% naquelas que não têm essa comparticipação”.
FONTE: Expresso
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