Não é a velhice que mata!!. É a arquitetura do silêncio onde ela é enclausurada.
As “Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas” (ERPI’s), que deveriam ser jardins suspensos da dignidade humana, são hoje trincheiras de resistência – onde se trava, todos os dias, uma guerra sem nome. Ali, onde o tempo coagula e os corpos envelhecem mais depressa do que o calendário permite, a saúde mental deixou de ser uma preocupação para se tornar um espetro. Um não assunto!. Uma zona interditada da linguagem institucional. E no entanto, é aí que a alma humana se afoga, devagar.!
A ERPI não é, nem nunca será, um hospital. Também não é um lar, apesar do nome. E já não é, há muito, um espaço neutro. É antes o lugar onde os limites do humano são postos à prova. Onde a Medicina é ensaio e a Enfermagem é epifania ou naufrágio.
Onde os corpos são geridos e não cuidados. Onde a palavra “cuidado” foi esvaziada do seu conteúdo semântico e substituída por protocolos e horários de higiene.
Como escreveu Foucault (1975), os dispositivos do Poder exercem-se precisamente ali onde já ninguém repara. O biopoder nas ERPI’s é absoluto: regula o corpo, cronometra o banho, define o momento da administração terapêutica e dita quem vive e quem se apaga.
Nas ERPI’s, o sofrimento não grita. Sussurra!!. E por isso ninguém o ouve.
Como é bem conhecido os estudos apontam que até 70% dos residentes em lares europeus sofrem de algum tipo de transtorno mental, com a depressão e a demência a liderarem a estatística (World Health Organization [WHO], 2021). Mas mais do que números, são narrativas esquecidas. Cada depressão não diagnosticada é um poema por escrever. Cada episódio psicótico não tratado é uma explosão de dor interditada à linguagem. As abordagens farmacológicas, frequentemente desprovidas de suporte psicoterapêutico, são a amputação química de uma angústia que pede compreensão e não contenção. Como sublinha Cohen-Mansfield (2022), a prescrição de antipsicóticos em contextos geriátricos institucionais permanece excessiva, especialmente em casos de agitação não compreendida – o que denuncia não apenas uma falha terapêutica, mas particularmente uma falência moral.!!
Este cenário instala-se numa cultura de total indiferença completamente anestesiada!!. A saúde mental, neste teatro sombrio, tornou-se o segredo mal guardado de um sistema em colapso. Não por falta de conhecimento – mas por falta de escuta, de coragem política, de investimento ético. Num país em que o envelhecimento é, paradoxalmente, simultaneamente uma realidade estrutural e um tabu emocional, as ERPI’s tornam-se o álibi da nossa inconsciência coletiva. As famílias delegam, o Estado abdica e os profissionais resistem sozinhos!!.
E os Enfermeiros? Os Enfermeiros são os últimos românticos de uma estrutura sem ´eros`. São simultaneamente a muralha e a fenda. Cuidam com o que têm – que é quase nada – mas com o que são – que é tudo. A literatura descreve o papel da profissão de enfermagem em contexto geriátrico como vital para a manutenção da qualidade de vida (Ribeiro et al., 2020), mas o reconhecimento institucional não acompanha esta verdade.
Os Enfermeiros em ERPI’s vivem entre a ciência e o abismo. Administram fármacos, observam as soluções de continuidade, as contenções e os choros mudos. E à noite voltam para casa com uma angústia que ninguém quantifica. Há estudos sobre o ´burnout`. Há números. Mas não há escuta. A dor do cuidador é, também ela, interditada.!!
Há aqui uma simetria perturbadora: cuidadores e cuidados, ambos adoecem no mesmo sistema!!.
E o que dizer da arquitetura? Sim, da arquitetura do ponto de vista literal. Dos corredores estreitos e frios, das paredes sem memória, dos espaços que não distinguem o privado do institucional. A arquitetura da maioria das ERPI’s não foi pensada para o bem-estar, mas para a funcionalidade. São espaços de trânsito e não de habitação do tempo. São lugares onde se espera. Mas o que se espera, exactamente? A visita que nunca chega? A morte que não se apressa? A terapêutica das 12h?
A velhice, nestes espaços, deixou de ser biográfica. É um ponto final imposto antes da última frase.!!
Julgo que este é um tempo para se gritar. De se denunciar com radicalidade poética e rigor clínico. A saúde mental nas ERPI’s é o último território de guerra da dignidade humana. E é também a medida mais exata da nossa falência enquanto sociedade. A falência de um Estado que fala de envelhecimento como se falasse de um mercado de ações. De uma academia que ainda não olhou a institucionalização com a ferocidade analítica que ela exige. De uma política pública que reage com relatórios em PDF a uma realidade que exige lágrimas, sangue e investimento. Real!.
Mas uma qualquer solução para tudo isto não se pode resumir a um novo protocolo. Trata-se antes de introduzir uma nova ética. Uma ética que compreenda que a saúde mental não é um luxo, nem um adereço, mas o núcleo do que é viver. Que reforce equipas com psicólogos, terapeutas ocupacionais, gerontólogos. Que respeite a profissão de enfermagem como uma ciência e não como mão-de-obra. Que obrigue à existência de ´ratios` mínimas de profissionais por utente, baseadas na complexidade da pessoa e não na habitual contabilidade dos lugares.
Mas acima de tudo, é preciso reimaginar o que é envelhecer!.
Envelhecer não é desistir. Não é ser internado. Não é ser medicado até ao silêncio. É continuar a ser. A pensar, a lembrar, a desejar. Uma sociedade que não cria estruturas para que isto seja possível, não é moderna. É bárbara.!!
As ERPI, salvo raras situações em que o dinheiro pode fazer toda a diferença, é hoje o campo de batalha mais cruel do nosso tempo. Não por ser violento. Mas por ser totalmente invisível!!.
E a invisibilidade, como bem sabemos, mata com mais eficácia do que qualquer arma.
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