Artigo

As vantagens de ser invisível

A invisibilidade pode ser um superpoder em um mundo de extrema violência física, psicológica e verbal contra as mulheres

O que me deixa louca é a noção cultural de que, quando uma mulher fica mais velha, ela se torna invisível. Essa não foi a minha experiência pessoal. E eu quero dizer: invisível para quem? Porque é claro que eu enxergo todas as mulheres da minha vida, e elas me enxergam. Então quando você se sente invisível você sabe quem, em sua cultura, está dizendo: ‘você é invisível’. Uma vez uma mulher disse para mim: ‘Minha mãe se sente invisível quando o barista da cafeteria de 23 anos não está flertando com ela’. Eu perguntei: ‘Por que isso é importante? Por que você iria querer que esse garoto flertasse com ela?’ Se você se sente invisível, isso significa que você se considera um objeto. Se você é sujeito, nunca é invisível”.

A fala poderosa da atriz Julianne Moore, de 64 anos, em uma entrevista para divulgar o filme “Gloria Bell”, me fez pensar: “Por que tantas mulheres sofrem por se sentirem invisíveis?”

Um dos maiores sofrimentos das mulheres que venho pesquisando nas últimas três décadas é o fato de se sentirem invisíveis e descartáveis, especialmente após os 40 anos. Muitas se sentem ignoradas dentro da própria casa, família e trabalho, como Valéria, uma professora de 61 anos, que tem pânico de envelhecer e só enxerga feiura, decadência, perdas e doenças na velhice.

“Fui uma mulher linda, gostosa, muito paquerada. Desde os meus 40 anos eu me sinto invisível, transparente, descartável: ninguém me enxerga, ninguém me escuta, ninguém me elogia, nem o meu marido. Não é nem que eu me tornei uma velha, infelizmente não existo mais como mulher”.

Será a invisibilidade um destino para as mulheres, principalmente para aquelas que sempre se sentiram valorizadas pela beleza, corpo, juventude e sensualidade? Por que a maturidade é, para tantas mulheres, uma fase de medos, vergonhas, inseguranças, angústias e sofrimentos?

Talvez seja diferente para mulheres que, como eu, são tímidas, inseguras, introvertidas e introspectivas: a invisibilidade sempre foi uma proteção na minha vida, desde a infância até os dias de hoje. Exatamente por me sentir invisível nunca investi meu tempo, saúde e dinheiro com meu corpo e aparência. Sempre foi por meio do trabalho e da escrita que busquei encontrar o meu lugar no mundo.

Lógico que a invisibilidade não foi uma escolha consciente. Meu pai era um homem violento, espancador dos filhos e da esposa. Testemunhei, apavorada, a violência e o horror dentro de casa todos os dias. Evitava ao máximo falar, respirar e existir, pois poderia apanhar e escutar seus gritos a qualquer momento: “você é uma bosta, não presta para nada, nunca vai ser alguém neste mundo”.

Invisível para quem? Quem, em nossa própria casa, família e trabalho, está dizendo: “você é invisível”? A invisibilidade pode ser um lugar de sofrimento, se precisamos desesperadamente do olhar, aprovação e reconhecimento dos outros. Mas, paradoxalmente, como no meu caso, a invisibilidade pode ser um lugar de proteção e de segurança, e até mesmo uma arma poderosa, em um mundo de extrema violência contra as mulheres de todas as idades.

Ser invisível, para mim, foi uma espécie de superpoder, um escudo protetor em um mundo de violência física, psicológica e verbal. Foi me escondendo no armário, e escrevendo compulsivamente, que encontrei um caminho para sobreviver.

Mirian Goldenberg

Antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de “A Invenção de uma Bela Velhice”

FONTE: FOLHA DE SÃO PAULO

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