Sabe mesmo o que é a demência?
Quando se fala em velhice e envelhecimento, muitas pessoas associam imediatamente a perdas cognitivas, nomeadamente, de memória, e até à senilidade! A boa notícia é que a grande maioria das pessoas vão chegar a uma idade avançada sem patologias neurodegenetivas ou cerebrovasculares (demência não é envelhecimento normal).
Ainda assim, os números associados ao surgimento das demências a nível mundial falam por si: a cada 3 segundos algures no mundo alguém é diagnosticado com demência; estima-se que neste momento existam mais de 50 milhões de pessoas a nível global com alguma forma de demência (de entre as mais de 100 formas conhecidas); projeta-se que em 2050 este número triplique, e que haja mais de 152 milhões de indivíduos com esta patologia; em Portugal estão diagnosticadas com demência mais de 205 000 cidadãos, 180 000 dos quais com demência de Alzheimer (a mais prevalente em todo o mundo).
Se pensarmos que, a cada pessoa com demência corresponde pelo menos um cuidador, que a pessoa se encontra inserida numa família/agregado familiar, e que faz parte de uma comunidade, rapidamente compreendemos o impacto que esta doença tem (e terá ainda com mais veemência) nas sociedades.
A demência pode atingir qualquer pessoa, de qualquer estrato social ou económico, sendo mais frequente o seu aparecimento em pessoas com mais de 65 anos, mas podendo surgir também em pessoas de meia-idade (demência precoce – 40-60 anos). Existe também um maior risco associado ao género feminino (as mulheres atingem uma longevidade maior do que a dos homens), a uma escolaridade mais baixa e ao tipo de ocupação ao longo da vida – habitualmente pessoas mais estudadas e com uma atividade laboral mais estimulante em termos cognitivos/raciocínio estão mais protegidas contra este tipo de patologias.
Logo, a literacia sobre esta temática é fundamental e é este o pequeno contributo que, em cada edição da Revista Envelhecer, o Centro de Apoio Alzheimer Viseu (CAAV), procurará modestamente oferecer. Nesta edição, iremos procurar esclarecer um pouco melhor do que se trata esta patologia, alguns dos seus sinais e sintomas, reforçando a importância do diagnóstico precoce.
A demência, ou perturbação neurocognitiva major, descreve uma síndrome orgânica adquirida que resulta de patologias que surgem a nível cerebral (podendo ter uma natureza neurodegenerativa, vascular ou mista). É crónica e irreversível, insidiosa e progressiva, e acarreta comprometimentos para a pessoa a nível cognitivo (declínio em áreas como memória, orientação, linguagem/comunicação, atenção, funções executivas, cálculo, praxias, gnosias, capacidades visuoconstrutivas e visuoespaciais), funcional (a pessoa vai deixando de conseguir realizar as diversas Atividades de Vida Diária que são essenciais para a sua inserção no meio e para a sua sobrevivência) e psicológicas/comportamentais (depressão, ansiedade, apatia, confusão, irritabilidade; alucinações e delírios; deambulação; alterações no ritmo circadiano – sono-vigília, a nível alimentar e sexual; etc.).
Facilmente se antevê que estas patologias vão trazer inúmeras alterações e desafios à vida da pessoa e dos que a rodeiam, uma vez que gera incapacidades para realizar as mais diversas atividades familiares, sociais, laborais e quotidianas, produzindo uma desadaptação pessoal ao seu meio. Culmina com a sua total perda de independência e autonomia, requerendo a partir de dado momento uma ajuda e uma supervisão constantes.
Para perceber se alguma alteração no comportamento, na forma de estar ou de ser, ou nas suas capacidades intelectuais poderá estar relacionada com uma doença do cérebro deve sempre ter em linha de conta:
- Como eram as atitudes prévias da pessoa (Ex: se sempre foi desconfiada dos outros é provável que com o envelhecimento esta característica da sua personalidade se acentue);
- Como era a sua funcionalidade prévia;
- Quais as aquisições intelectuais/capacidades cognitivas que a pessoa habitualmente demonstrava (Ex: se a pessoa nunca foi boa a associar as caras aos nomes, é provável que o continue a fazer na velhice e troque os nomes das pessoas que está agora a conhecer);
- Se alguma coisa se modificou recentemente e bruscamente na sua vida (Ex: mudança de casa ou de meio, internamento hospitalar, etc. – estas condições podem levar a pessoa a fazer algumas confusões, ter alguma desorientação espacial, entre outras);
- Qual a frequência dos comportamentos que aparentam ser sintomas (Ex: esquecer pontualmente de pagar a conta da água é algo que pode acontecer a qualquer pessoa; esquecer durante três ou quatro meses de pagar a renda da casa onde sempre viveu, pode ser alvo de preocupação);
Tendo em conta os fatores anteriores, eis alguns sinais ou sintomas que poderão ser de alerta:
- Não se conseguir recordar de datas importantes da sua vida ou do nome de familiares / amigos mais próximos;
- Colocar objetos em lugares estranhos (chinelos no frigorífico, relógio no micro-ondas, etc.);
- Não se recordar do que fez durante o dia ou ontem, nem recordar algum compromisso que tenha para amanhã;
- Não conseguir concluir atividades rotineiras mas que implicam algum grau de complexidade e sequenciação de tarefas (Ex: não conseguir confecionar aquele Arroz de Pato que era o seu ex libris gastronómico);
- Desorientar-se em espaços/caminhos familiares e perder-se;
- Não saber qual a altura do mês ou mesmo o mês em que está;
- Repetir a mesma ideia continuamente ou fazer diversas vezes a mesma questão (como se fosse a primeira vez);
- Perder-se no discurso;
- Não conseguir nomear objetos ou encontrar palavras para descrever o que sente ou o que quer;
- Tem dificuldades em raciocinar para resolver problemas do dia-a-dia, em tomar decisões coerentes e acertadas, e em relacionar factos passados com o presente;
- Não interpretar metáforas, ironias, brincadeiras linguísticas;
- Quando eventualmente o familiar confronta a pessoa com o facto de ter repetido uma ideia/pergunta ou com algum acontecimento recente, a pessoa mostra-se confusa, desconfortável, ou busca desculpas para o esquecimento, o que não era habitual em si.
Se estes sinais aparecerem e começarem a comprometer o funcionamento da pessoa, é fundamental procurar a ajuda de um profissional de saúde para fazer o despista destes quadros, uma vez que quanto mais precoce for o diagnóstico, e a consequente intervenção (que preferencialmente deverá ser farmacológica – medicação – e não farmacológica (estimulação cognitiva, fisioterapia, terapia ocupacional, etc.), mais eficaz esta será em termos do retardar da evolução da mesma, permitindo à pessoa manter por mais tempo as suas capacidades inalteradas, o seu bem-estar e qualidade de vida, e dando tempo para que se possa adaptar e tomar algumas decisões pertinentes quanto à sua vida no decurso da doença (Ex: realizar o testamento vital, decidir sobre um futuro tutor, se quer mais tarde vir ou não a ser institucionalizado e onde, que atividades pretende ainda realizar – desejos/sonhos de vida por cumprir -, fazer o seu testamento, organizar as contas bancárias ou outros bens, etc.).
Tal como na vida, também a demência é um caminho, que pode durar muitos anos. É fundamental conhecer esta realidade, procurar preveni-la e ajudar as pessoas com demência para que ainda possam viver muitas experiências, ter mais qualidade de vida e bem-estar ao longo da sua existência.
Nas próximas edições irá ser abordada mais em concreto cada uma das funções cognitivas, sendo o grande mote a promoção da atividade mental enquanto potenciadora de um cérebro mais resistente às patologias e, por conseguinte, de um envelhecimento mais saudável!
A Equipa do Centro de Apoio Alzheimer Viseu