Artigo

No dia seguinte ninguém morreu

No dia seguinte ninguém morreu

(IN Intermitências da Morte, José Saramago)

 

Envelhecer é fantástico porque a única possibilidade de estancar este processo, iniciado ao nascer, é morrer! Antes envelhecer do que morrer! Queremos envelhecer e temos o direito de envelhecer bem.

Envelhecemos cada vez melhor! Queremos deixar de morrer?

O Prémio Nobel da Literatura, José Saramago, no seu livro As Intermitências da Morte, imaginou um país no qual as pessoas deixaram de morrer e as consequências não foram recomendáveis: “Que vamos fazer com os velhos, se já não está aí a morte para lhes cortar o excesso de veleidades macróbias. Os lares para a terceira e quarta idades, essas benfazejas instituições criadas em atenção à tranquilidade das famílias que não têm tempo nem paciência para limpar os ranhos, atender aos esfíncteres fatigados e levantar-se de noite para chegar a arrastadeira, também não tardaram, tal como já o haviam feito os hospitais e as agências funerárias, a vir bater no muro das lamentações.”  

O célebre escritor personificou a morte que se apaixonou por um violoncelista e “No dia seguinte ninguém morreu.”

O amor dá sentido às nossas vidas e imortaliza-nos! Quando amamos e somos amados, é bom observarmos uma nova ruga no rosto que nos encanta, mais um fio do seu cabelo branco, um sorriso experiente, um afago a que nos habituamos, uma carícia que não dispensamos…

Envelhecemos bem quando amamos o que fazemos, gizamos projetos, estipulamos objetivos, alimentamos sonhos, fomentamos ilusões, engendramos utopias. “Quando um homem sonha, o mundo pula e avança!”.

Compreendo, cada vez melhor, porque razão o meu amigo Fernando Correia diz que não tem idade. Há novos que são velhos e velhos que são novos. Já celebrou muitos aniversários, mas é um homem novo porque nasce todos os dias para a vida, a sua e a dos que o rodeiam.

Seremos novos enquanto possuirmos o engenho e a arte de nos reinventarmos todos os dias, de renascermos uma e outra vez, num movimento perpétuo.

Nasci há 40 anos, talvez esteja na “meia idade”… não sei bem (a minha sobrinha diz, simpaticamente, que sou novo)… não me consigo encaixar numa das definições socialmente construídas.

Talvez gostasse de um dia ser “gerontoadolescente”, nem novo, nem velho, mesclar a experiência do mais velho com a irreverência do adolescente…

No exercício das minhas responsabilidades profissionais pugno pela construção de uma comunidade amiga de todas as idades e das pessoas com demência, alicerçada no exercício dos direitos, respeito pela autonomia, independência e autodeterminação de todas as pessoas, uma verdadeira sociedade de afetos.

 

 

 

 

 

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