Num breve raide pela imprensa internacional, destaco dois artigos, um assinado por Roberto Saviano, jornalista e escritor, obrigado a viver escondido da máfia que o ameaçou de morte depois de escrito o livro Gomorra (2006) e outro de Bill Gates, fundador da Microsoft.
Saviano enuncia o dilema: “será melhor morrer da doença ou da recessão? Considera que talvez seja o tempo de sair da pandemia para viver uma utopia:
“admitir que a produtividade e as contas bancárias têm menos valor do que as pessoas, ganhar consciência de que a nossa sobrevivência depende da manutenção e da expansão dos nossos direitos, compreender que uma ação política obcecada pelo dinheiro é mortífera e não gera riqueza.”
Por sua vez, Bill Gates identifica três medidas que considera estruturantes para lutar, contra a pandemia, através de uma abordagem global: Repartir os recursos mundiais; Planificar a difusão da futura vacina – deve ser considerada um “Bem Público Mundial” – e Investir na saúde os mais pobres:
“Nesta pandemia estamos todos interconectados. A nossa responsabilidade também deve estar.”
Ainda que abusivamente, apanho a “boleia” destes dois senhores e apresento-vos a minha utopia pós-pandemia, a construção de uma Cidadania Social, ancorada numa Economia do Cuidado (sugiro a leitura do artigo, da investigadora canadiana Jennifer Nedelsky, Part-Time for All: New Norms for Work and Care, 2017).
Não podemos continuar de olhos fechados, amanhã será demasiado tarde. Comecemos a construir, hoje mesmo, os novos alicerces de uma sociedade que envelhece rapidamente. Temos que agir em todas as frentes e construir uma nova arquitetura, definindo um modelo que integre o risco da perda de autonomia das pessoas idosas na estrutura das políticas sociais. Urge melhorar a qualidade do cuidado e fortalecer a prevenção, tanto nos cuidados prestados nas instituições como no seio familiar, nos domicílios.
O trabalho dos cuidadores informais é valiosíssimo e carece de mais e melhores apoios para que aqueles que decidem cuidar dos seus familiares se sintam capacitados para o fazer, em todas as dimensões.
Não podemos, contudo, escamotear o trabalho colossal que as instituições fazem, todos os dias, num momento tão difícil como o que vivemos na atualidade.
Sejamos conscientes, ajamos imediatamente!
Defendo um forte, programado e contínuo aumento da presença humana juntos dos nossos idosos. Aumentar a humanização do cuidado requer uma reforma do modelo de financiamento, associado a objetivos de qualidade. Ambição e responsabilidade devem equilibrar-se para que as imperativas reformas possam responder melhor às necessidades de hoje e moldem um sistema sustentável que permita fazer face às necessidades futuras.
URGENTE:
– Acompanhar e apoiar os profissionais, corajosos e comprometidos, que, em condições difíceis e dolorosas, consagram as suas vidas aos nossos idosos vulneráveis.
– Revalorizar as profissões do “Cuidado”, aumentando drasticamente a atratividade do setor.
– Libertar as pessoas idosas da sensação de serem um “fardo” para os seus entes queridos e para a sociedade.
– Mitigar a solidão que muitas pessoas idosas sentem, um sentimento que, certamente, matará mais do que o “envelhecimento” do corpo.
– Responder, efetiva e concretamente, à angústia daqueles que perderam a autonomia e às inquietudes dos que lhes são próximos e tomaram a decisão de cuidar.
Façamos as nossas escolhas, enquanto comunidade, sequenciemos as nossas aspirações, e definamos o destino do financiamento.
Olhar a velhice de frente reflete a dignidade de uma sociedade madura e humanizada que acompanha os seus até ao fim.
Porque todos nós queremos ser acompanhados, cuidados, amados…
Texto publicado na Revista BICA.
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