Demência não é invisível: é negligência torná-la invisível
O projeto SINDIA: Desigualdades socioespaciais na demência, liderado pelo Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território (CEGOT) da Universidade de Coimbra (UC), está a tentar compreender como podemos promover medidas, políticas e estratégias voltadas para a redução das desigualdades em saúde entre populações e territórios, assim como avaliar como as desigualdades socioespaciais afetam as pessoas que vivem com demência e os seus cuidadores informais ao longo da trajetória da doença. São dois grandes objetivos que, para serem alcançados, têm de ter uma colaboração transparente das instituições, de quem nelas trabalha e de quem nelas vive.
Este projeto interdisciplinar (geografia humana e da saúde, psicogerontologia, gerontologia social, economia, ciências da saúde), a decorrer entre 2023 e 2026, já revela uma realidade que não pode ser ignorada: 200 mil pessoas vivem com demência em Portugal, num universo global de 55 milhões.
Os dados mostram ainda que 75% das pessoas mais velhas com demência em lares/ ERPIS não saem à rua e 28% nunca recebem visitas.
Estes números não são apenas estatísticas — são vidas confinadas, memórias silenciadas e dignidades comprometidas.
Envelhecer não deveria significar perder o direito à presença, ao cuidado e à comunidade. No entanto, o retrato que emerge é o de uma institucionalização marcada pela solidão e pela falta de competência para lidar com a demência.
CEGOT | SINDIA – Desigualdades sócio-espaciais na demência
Demência: o problema central
- Diagnóstico ausente ou tardio: muitos residentes apresentam défice cognitivo sem diagnóstico formal, o que impede cuidados adequados.
- Incompetência estrutural das ERPI: a maioria dos lares não dispõe de formação específica para trabalhar com demência. Rotinas rígidas e padronizadas ignoram necessidades cognitivas e emocionais.
- Solidão institucionalizada: o isolamento físico e social é agravado pela falta de visitas, de atividades significativas e de abertura ao exterior.
- Desigualdades socioespaciais: pessoas com baixos rendimentos, fraco suporte social ou pertencentes a minorias são diagnosticadas mais tarde e enfrentam progressão mais rápida da doença.
- Impacto nos cuidadores informais: sobrecarga física e emocional, custos financeiros e vulnerabilidade social, agravados pela falta de recursos e apoio.
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Chamadas de atenção – O que é urgente corrigir
- Formação obrigatória para cuidadores (formais e informais) e técnicos em demência e envelhecimento.
- Planos individualizados de cuidado, respeitando história de vida, capacidades residuais e preferências pessoais. Ouvir sempre a pessoa tem de ser obrigatório, não só a família, a pessoa, sempre.
- Abertura das instituições à comunidade, com atividades intergeracionais e culturais que devolvam sentido de pertença.
- Fiscalização rigorosa, que avalie não apenas gestão administrativa, mas indicadores de qualidade de vida.
- Direito à mobilidade e ao espaço público, garantindo que sair à rua seja rotina, não exceção.
- Redução das desigualdades territoriais: assegurar que o acesso a diagnóstico e cuidados não dependa do código postal ou da condição socioeconómica.
Village Landais Alzheimer | La Bastide
Um apelo à responsabilidade coletiva
A demência não é apenas uma condição clínica: é uma questão de direitos humanos e de justiça social. Ignorar esta realidade é perpetuar a invisibilidade de milhares de pessoas.
É tempo de convocar sociedade civil, decisores políticos, profissionais de saúde e da ciência gerontológica para uma ação conjunta. Não podemos aceitar que a memória coletiva se perca dentro de quatro paredes.
Cuidar é reconhecer, incluir e dignificar.
Raul Jorge Marques



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