Destino: Rua Sá da Bandeira, 812, no Porto. Saímos do metro e, como ainda tínhamos algum tempo livre, aproveitámos para degustar um magnífico cimbalino num dos locais mais emblemáticos da Cidade Invicta, no Café a Brasileira.
Algo ansiosos, dirigimo-nos ao ateliê de Luís Buchinho, um dos mais consagrados estilistas portugueses, com três décadas de trabalho, ovacionado de pé, no Portugal Fashion, ao apresentar a coleção Primavera / Verão 2020 designada “Turista Acidental”.
Ao entrarmos no n.º 812, sentimo-nos imediatamente acolhidos. As propostas do autor rigorosamente alinhadas, a organização do espaço, a combinação de texturas e cores, os pormenores gráficos… todos os elementos combinados na perfeição para um look cosmopolita, carismático e autêntico. A simpatia e a disponibilidade desarmantes do Luís foram o antídoto perfeito para combater a nossa ansiedade que se havia adensado no percurso que nos restava entre o n.º 116 e o n.º 812.
Segundo o Relatório Ageing Europe 2019 divulgado pelo Eurostat, em outubro, Portugal será o país mais envelhecido da União Europeia em 2050. A indústria da moda está atenta a esta nova realidade?
O principal problema que se coloca é o facto de esse público ser cada vez mais pobre. Estamos a falar de um público com reduzido poder de compra. A sua capacidade financeira no futuro é uma incógnita e creio que este é o maior problema para a indústria da moda.
Uma percentagem substancial das pessoas que compram as minhas criações não são propriamente jovens. Uma boa parte das minhas clientes tem entre 50 e 60 anos. Noto que as pessoas, com uma certa idade, mais experientes, têm um olhar muito diferente sobre a moda.
Há algum trabalho de adaptação para este grupo crescente de pessoas?
A moda procura acompanhar o mercado e reage adaptando-se ao consumidor. Há uma evidência bem vincada desta adaptação aos novos públicos no que concerne aos tamanhos de confeção.
Alexandre Kalache, o ”pai” do Envelhecimento Ativo, cunhou um novo conceito – «Gerontolescência» – que engloba um grupo de pessoas com 50 ou mais anos, ativas, educadas, cultas, com recursos financeiros, tempo livre e vontade de produzir e consumir. Como olha para os “novos velhos”?
Não tenho quaisquer dúvidas de que os “gerontolescentes” são pessoas com a “cabeça arejada”, com uma mente muito aberta. As pessoas não querem, de todo, parecer idosas. Revelam, cada vez mais, preocupações que os nossos avós não tinham. Revelam gostos mais arrojados e mais diferenciados do que propriamente, por vezes, pessoas com metade da sua idade. Estão muito recetivos à novidade e à diferença.
Como se sente pessoal e profissionalmente aos 50 anos?
Bem (silêncio) envelhecer não é uma coisa que eu adore, penso que ninguém gosta de envelhecer. Envelhecer é uma seca. Nós temos medo de envelhecer porque o envelhecimento aproxima-nos da morte. Na verdade, não penso muito no assunto e levo a vida com naturalidade. Continuo a fazer as coisas de que gosto e que me dão prazer. Profissionalmente, estou atento às novidades sociológicas e do mundo da moda para poder continuar a ter um espírito bastante fresco e a acompanhar os sinais dos tempos.
O Luís foi aplaudido de pé, na recente edição do Portugal Fashion, ao apresentar as novas propostas para a Primavera / Verão 2020. Criou uma linha inspirada na atualidade que designou “Turista Acidental”. Quem é este “Turista Acidental”?
A coleção resultou do meu processo de observação da comunidade, da cidade, do mundo. Não sou contra a gentrificação, mas também não sou totalmente favorável ao fenómeno. Sinto-me no meio de dois mundos. Temos uma cidade que muda a uma velocidade avassaladora, difícil de acompanhar. Não nos esqueçamos que, há dez anos atrás, o Porto era uma cidade defunta. Talvez não houvesse outra opção, o fenómeno do turismo poderá ter sido a salvação para a reabilitação e um novo pulsar da cidade. Muito provavelmente, se não houvesse um fenómeno destes, correríamos o sério risco de vivermos numa cidade completamente enterrada, soterrada viva.
Era algo tenebroso andar pela baixa do Porto, a partir de uma certa hora…
Era tenebroso, sem dúvida! O turismo veio dar uma nova dinâmica à cidade, uma outra vida, uma movida…
Nem tudo o que o turismo trouxe foi positivo, daí o seu sentimento algo ambivalente?
Abri uma loja em 2007, em pleno centro da cidade, sem vizinhos, numa fase pré-turismo e consegui um espaço extraordinário. Um espaço que perdi por causa do turismo. Muitas pessoas, com as quais me relaciono, que foram muito empreendedoras, há 10 ou 12 anos atrás, hoje não têm a mínima hipótese de continuarem a trabalhar nos territórios que “desbravaram”. Muitos destes empreendedores, antes de existirem as “Ryanair” da vida, estavam saturados de ver o Porto no estado comatoso em que se encontrava e fizeram muito pela cidade. Hoje em dia, essas pessoas, são bastante prejudicadas.
São vítimas do seu próprio sucesso?
Sim, é uma boa expressão. Desbravaram, trabalharam, tiveram sucesso e viram-se obrigados a abandonar os locais que tinham elegido para se estabelecerem.
Disse sentir-se no meio de dois mundos, isso explica a conjugação do turista acidental com a recuperação de tradições e heranças tão genuinamente portuguesas?
A coleção “Turista Acidental” transporta uma certa ironia, ainda que muito subtil. Procuro fazer alusões às t-shirts que os turistas compram e o possível contacto com uma marca nacional como a minha.
Tentei recuperar a herança e a tradição de um país como Portugal, através das saias “fadista”, os naperons e os crochés. Recuperei o legado da minha mãe. Transformei tudo num universo super feminino e apostei numa linguagem de sustentabilidade. Apostando numa abordagem contemporânea, reaproveitei, recriei, dei novas formas a algo que pré-existente. Reuni todos estes ingredientes e considerei de bom tom chamar à coleção “Turista Acidental”.
Vivemos numa era do culto da juventude. As pessoas não querem envelhecer, não querem ver rugas refletidas no espelho. Os modelos são sempre jovens. Faz sentido apostar em real people, em modelos mais experientes para cativar este público que cresce e é cada vez mais exigente?
As grandes marcas de moda, de um modo geral, podem focar o seu posicionamento, do ponto de vista da imagem, nos jovens para despertar mais o interesse, a curiosidade do público. Contudo, o seu público não são os jovens. Os jovens não consomem muita moda de autor porque não têm poder de compra para o fazer. Se analisarmos as grandes marcas internacionais, constatamos que não é necessário ter um corpo de ginásio, como se tivesse 20 anos de idade, para poder vestir as suas coleções. As peças são sempre pensadas para uma consumidora muito mais velha do que a manequim que as apresenta nos desfiles de moda. É algo transversal a quase todas as marcas. O público, o consumidor tipo dificilmente tem os atributos de um (a) manequim. Para os desfiles fazem-se opções, com uma clara aposta numa imagem idealizada, procurando proporcionar um sonho, um momento lúdico. Nas lojas, a realidade é outra, não tem nada a ver com os desfiles, as roupas que encontramos estão adaptadas aos potenciais clientes.
Faz sentido criar, em Portugal, uma agência de moda especializada na terceira idade, como a agência russa OLDUSHKA?
Em Portugal não se justifica uma aposta numa agência especializada. O mercado é tão pequeno que não se justifica tal especialização, tal como ocorre noutras áreas.
Poderá fazer sentido, isso sim, dentro de uma agência que já tem trabalho desenvolvido, como nós o conhecemos – para publicidade, para teatro, para moda – ter um setor com alguns modelos seniores. Os modelos seniores são necessários. Não sei se farão muitos desfiles de moda, mas há sempre campanhas e publicidades que usam modelos de todas as idades, desde crianças até às pessoas idosas.
Os óculos são cada vez mais encarados como um acessório de moda que pode complementar um look arrojado. A coleção de óculos de sol, em parceria com a Ergovisão, é uma aposta ganha?
Tem sido uma aposta claramente ganhadora. A Ergovisão tem uma equipa de corpo e alma neste projeto, nesta aventura que é a nossa parceria. Temos feito um contínuo trabalho de renovação, de troca de ideias, de lançamento de novos produtos. Acabámos de lançar a “Linha Buchinho”, mais acessível, mais abrangente e para ambos os sexos. A anterior coleção de óculos de sol acompanhava mais as minhas linhas de moda e era quase exclusivamente dedicada ao público feminino. A nova linha é direcionada para todos os públicos. A minha equipa e a da Ergovisão têm uma química de trabalho que funciona na plenitude e os resultados estão à vista de todos.
Como vive o seu processo de envelhecimento? Tem alguns cuidados especiais?
Geneticamente, tenho muita sorte. Não tenho que me preocupar muito com a linha e com a saúde, à partida está sempre tudo bem. Não tenho cuidados muito especiais, procuro hidratar-me bem, bebo muita água e já não fumo há quase três anos. Cuidados muito simples.
Passados que estão 20 anos de carreira, com lugar marcado na Moda Lisboa, no Portugal Fashion, na semana de Moda de Paris, o que o move? Que projetos tem em mãos e quais os que gostaria de concretizar?
Estou sempre a tentar fazer algo que ainda não fiz. A inovação pode surgir na forma de um casaco, numa malha tricotada ou na apresentação de um desfile. A próxima estação acaba por ser sempre o meu próximo projeto.
Para o equilíbrio da sociedade, as relações intergeracionais são fundamentais. Este objetivo está alcançado na moda, onde convivem estilistas consagrados com novos talentos?
A minha perceção do mundo é, obviamente, diferente da de um designer de 20 anos. Sou professor, dou aulas, contacto bastante com os mais jovens e tento perceber as suas mentalidades, ainda que tanha a plena consciência de que não é possível compreender na totalidade os seus universos. Os novos talentos olham para os criadores mais experimentados como referências. Os estilistas ocupam espaços muito diferenciados no âmbito do mercado da moda. Há marcas que estão instituídas e plenamente estabelecidas no mercado. Um jovem tem sempre um caminho a percorrer, está no início de um trajeto, como eu já estive há trinta anos atrás…
No Portugal Fashion marcam presença designers consagrados e simultaneamente é dada oportunidade aos novos criadores. Um bom exemplo de sã convivência intergeracional?
Sim, funciona muitíssimo bem. A moda precisa de novidades que, muitas vezes, são apresentadas por quem está no início da carreira porque tem um fôlego e um discurso diferenciador. A moda é um espelho das nossas experiências, da nossa infância, da nossa juventude. Mesmo que os novos criadores se inspirem em décadas, como eu já me inspirei, por exemplo nos anos 80, eles nasceram nos anos 80 e eu vivi os anos 80. Portanto, o meu olhar sobre os anos 80 nunca será igual ao de um jovem sobre esses mesmos anos 80. São sempre visões muito diferentes e todos nós lucramos com essas diferentes perspetivas.
TEXTO: José Carreira
FOTOGRAFIA: Pedro dos Santos