Artigo

Envelhecendo

O envelhecimento da população traz diversas implicações relevantes para a gestão pública

Envelhecer é um processo difícil. Se, por um lado, o progressivo avanço na idade traz inúmeras experiências que podem nos ajudar a ter maior clareza sobre as escolhas, por outro, a passagem dos anos acaba levando vários entes queridos e enfraquecendo o corpo.

O aparecimento dos primeiros cabelos brancos pode gerar uma crescente sensação de desconforto. Porém, perdê-los, tende a abalar a autoestima de muitos daqueles que dão demasiado valor para as aparências. No imaginário coletivo, ainda se tem o ideal de que a beleza está na juventude.

Essa construção social afeta fortemente as mulheres. Muitas costumam se submeter aos mais variados procedimentos estéticos com o intuito de retardar as marcas deixadas pelos anos. Procurar mascarar o natural fluxo da vida ainda faz parte do nosso momento histórico, mas talvez isso mude com o tempo.

A população como um todo está envelhecendo. Os avanços da medicina e da economia nas últimas décadas contribuíram para ampliação da expectativa de vida e derrubaram as taxas de fecundidade e mortalidade mundo afora.

Recentemente, enquanto a Inglaterra se despedia da quase centenária Rainha Elizabeth, a expectativa de vida na China passava a dos Estados Unidos. Vários outros países asiáticos também encontraram o caminho para vida longeva. O maior expoente é o Japão, país cuja expectativa média de vida das mulheres ultrapassou 87 anos. No Brasil, esse número avançou com os progressos na saúde e educação das últimas décadas, porém, a expectativa de vida dos homens ainda é de 72,2 anos e das mulheres de 79,3.

Tal fato traz diversas implicações relevantes para a gestão pública. No passado, era comum as pessoas permanecerem na mesma ocupação a maior parte do seu período produtivo. Hoje, não é mais assim. Com a ampliação dos anos de vida, precisaremos trabalhar por um período maior e trocaremos de emprego mais vezes.

Ao mesmo tempo, tem-se o agravante de que o progresso tecnológico está fazendo com que muitas de nossas habilidades se depreciem rapidamente e fiquem obsoletas em um mercado de trabalho em franca transformação.

A tendência é de uma permanente demanda por cursos de curta duração para requalificação da mão de obra. Algo a que, na atual circunstância, poucos estão tendo acesso. Aqueles que possuem alto nível de renda e escolaridade estão vivendo mais e absorvendo os maiores retornos provindos do avanço tecnológico.

Por sua vez, os mais pobres vivem menos e muitos não estão conseguindo desenvolver competências úteis para as novas demandas do mercado de trabalho. Eles estão sendo, progressivamente, excluídos das atividades de produção. Evidentemente que tal cenário representa mais um poderoso mecanismo de acentuação das desigualdades.

Investir na capacitação da juventude e torná-la mais produtiva é o caminho. No entanto, não é o que temos feito. Segundo um relatório recente da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), a proporção de jovens de 18 a 24 anos de idade que nem estudam e nem trabalham no Brasil é de 35,9% (Education at a Glance, 2022).

Os desafios do envelhecimento populacional não terminam no mercado de trabalho e sistema educacional. Com a idade, aumenta também a demanda por cuidados médicos. Em vários países, os gastos com saúde estão crescendo em velocidade superior ao da economia.

Além disso, os incrementos na expectativa de vida tendem a ser superiores aos avanços da idade mínima para se aposentar, elevando assim, os gastos com a previdência e criando outra fonte de constante pressão sobre os orçamentos.

Nesse cenário, se na esfera individual o passar dos anos acaba virando um peso sobre aqueles que não se prepararam para isso, tudo indica que o envelhecimento coletivo em sociedades pobres mal administradas pelo poder público será ainda mais desafiador.

O texto é uma homenagem à música Experience, de Ludovico Einaudi.

Michael França

Ciclista, doutor em teoria econômica pela Universidade de São Paulo; foi pesquisador visitante na Universidade Columbia e é pesquisador do Insper.

 

FOTO DE CAPA: Aumento das buscas das cirurgias estéticas altamente invasivas e outros procedimentos estéticos depois do boom do body positive – Catarina Pignato/Ilustração

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