Envelhecemos… mal
Um dos paradoxos do nosso tempo: ninguém quer morrer jovem, mas também ninguém quer envelhecer! O certo é que a sociedade portuguesa, tal como outras, está cada vez mais envelhecida. Nos últimos 60 anos ganhámos quase 20 anos de vida. E, desde o início do milénio, o total de pessoas mais velhas ultrapassou o de mais jovens. Estamos de parabéns por termos alcançado tão grande conquista. Mas desta decorre uma mudança acentuada das características epidemiológicas da população as quais colocam novos e profundos desafios, entre outros, aos sistemas de saúde e segurança social, mas também às autarquias.
Como nos preparámos, enquanto sociedade, para esta nova realidade? Como vivemos os 20 anos de vida ganhos?
As cerca de 2,3 milhões de pessoas que já ultrapassaram os 65 anos nasceram antes de 1956. Viveram até ao final da sua juventude ou mesmo uma parte da vida adulta num país com imensas carências, com destaque para o acesso ao ensino e à saúde. A estas pessoas, principalmente às mulheres, foram negadas condições básicas de desenvolvimento, daí resultando várias gerações de pessoas analfabetas ou apenas com a “instrução primária”. Consequentemente, tiveram ocupações pouco ou nada qualificadas e muito pouca capacidade e meios para tomarem decisões e terem acesso à saúde. Apesar disso, proporcionaram aos filhos melhor educação e consequentemente melhores empregos, ainda que em locais distantes dos pais.
Quando chegou o momento da reforma os mais afortunados tiveram direito a um quantitativo ligeiramente acima do limiar da pobreza, mas muitos outros apenas tiveram direito a valores inferiores. Por isso, cerca de 400 mil pessoas mais velhas permanecem em risco de pobreza, mesmo após as transferências sociais.
Numa perspetiva de curso de vida, todos esses fatores contribuem para moldar a forma como envelhecemos. Consequentemente, o percurso de vida criou condições para que os 20 anos de vida ganhos sejam vividos com várias doenças (multimorbilidade), algumas das quais impondo limitações adicionais (dependência funcional) às associadas ao envelhecimento. Assim, os portugueses mais velhos têm uma esperança de vida que compara bem com a dos melhores países, todavia, a maioria dos anos é vivida com doença e dependência, ou seja, cerca de 15 dos 20 anos de vida após os 65 são vividos nessa condição.
As respostas atuais
Tivemos tempo para perceber que a mudança estava a ocorrer e para nos adaptarmos. O que fizemos?
De forma sucinta, diríamos que pouco foi feito, senão vejamos. Ao nível social prevalece a mitificação da juventude, com uma linguagem e uma iconografia carregadas de preconceitos. Os indicadores de todos os tipos de violência sobre pessoas mais velhas são preocupantes. Tudo nos diz que este não é um país para velhos.
As respostas sociais e de saúde não se adequaram a esta nova realidade.
As primeiras dependem exclusivamente da Segurança Social, não se articulam com as respostas de saúde e, apesar dos objetivos que perseguem, têm exigências minimalistas de profissionais e de meios de saúde. Primam pela institucionalização e, por isso, as relações familiares ficam comprometidas. Por último, a oferta é muito inferior à procura.
As respostas dos cuidados de saúde foram organizadas para um perfil epidemiológico de doença aguda e não se adequam à nova realidade. Os cuidados são fragmentados e desintegrados. As respostas domiciliárias são escassas, subdotadas de pessoal e subfinanciadas. Exceção em todo este cenário é a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados, a qual, apesar das limitações na continuidade, oferece um modelo de cuidados diferente.
Em resumo: a uma pessoa mais velha, com multimorbilidade e dependência e institucionalizada, em caso de necessidade, resta chamar o INEM e recorrer à urgência de um hospital. Não se vislumbra nenhuma estratégia de resposta. Apenas promessas de mais dinheiro!
Manuel Lopes
Artigo publicado no Diário de Noticias (08/11/2021)
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