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BELEZA, SENSUALIDADE E SEXUALIDADE

A BELEZA QUE NÃO É SÓ MINHA…. Uma exposição que convoca o olhar para a beleza do corpo e do tempo que sobre ele vai passando  e que poderá ser visitada até ao dia 19 de Fevereiro. 

A Patrícia Marques, da Universidade Sénior de Tondela, responsável pela organização do projeto A beleza que não é só minhaaceitou responder a algumas questões da Envelhecer:

E -Todos os países europeus estão a envelhecer. Em 2050, Portugal será o 4.º país mais envelhecido do mundo. Viseu é um dos distritos com mais idosos a viver sozinhos e isolados. Como observam esta realidade?  

PM – Com muita tristeza e inquietação! Há 5 anos realizei uma pesquisa de mestrado sobre as atividades oferecidas nos lares de idosos e os resultados foram muito desanimadores. Atividades “infantilizadas”, desajustadas aos anseios e expectativas dos idosos. Estes participavam destas por vários motivos, menos, por reconhecer nas atividades um recurso de prazer, aprimoramento pessoal e melhoria da qualidade de vida física ou mental. As atividades eram uma mera ocupação do tempo e não um recurso promotor do envelhecimento ativo.

Penso que os equipamentos sociais existentes priorizam os cuidados básicos de saúde ou dão respostas básicas às necessidades sociais, mas não fomentam o convívio criativo, expressivo e terapêutico, tão necessário nestas idades. Há alternativas de trabalho que não são desenvolvidas ou devidamente trabalhadas com os idosos em Portugal.

O centro de convívio com atividades estruturadas, programadas e identificadas com os utentes, acredito ser uma alternativa interessante para dar respostas aos idosos que vivem sós e têm autonomia. Um exemplo disto é a Universidade Sénior de Tondela que oferece atividades diversas que se coadunam com o interesse dos alunos vindos de diversas partes do Concelho, inclusive de localidades mais distantes.

E – Como surgiu a ideia de fazer este trabalho fotográfico?

PM – Era o meu sonho de há muitos anos realizar um trabalho que pudesse promover a reflexão sobre a beleza que transcende o tempo. Sempre me incomodou ver um elogio a uma pessoa mais velha ser rebatido por quem a conheceu mais jovem: “Ah! Diz isso porque não a conheceu mais jovem!”

Percebia nas aulas que esta temática, de fato, era algo que gerava um certo desconforto. “Comendo pelas beiradas”, trabalhei com os alunos poemas de Vinícius de Moraes nos quais foi retratada a beleza das pessoas e da vida. Numa destas aulas contei o meu desejo – sou louca por fotografias! – de vê-los fotografados, belos, expostos numa galeria… Para minha surpresa alinharam prontamente e escolheram quem os iria fotografar. O segundo passo foi apresentar o projeto ao Carlos Teles (fotografo na cidade) e à Carla Gouveia (a sua assistente de produção). Acharam incrível a ideia! A partir daí foram muitas reuniões, ideias, parcerias, onde todos se sentiram representados na conclusão do trabalho.

E – Os registos fotográficos abordam várias temáticas. Pode enumerá-las e justificar as opções?

PM – A exposição precisava de um fio condutor para retratar o que pretendíamos. A década de 20/30 foi sugerida pelo fotógrafo Carlos Teles e foi muito bem aceite pelos participantes. Inicialmente, o tema seria a sensualidade na terceira idade, contudo, verificámos que havia muito mais do que isso para ser trabalhado e apresentado. O Carlos e a Carla souberam, magistralmente, explorar em cada um o que de melhor havia para ser mostrado. Deste modo definimos três pontos centrais:

1-A BELEZA : No olhar, nos gestos, na postura, na audácia…..

2- A SENSUALIDADE: a manifestação subtil da beleza, aliada a elegância, e com uma certa dose de erotismo. Mas é algo muito singular, que surge de maneira muito espontânea nas fotos….

3- A SEXUALIDADE: beleza e sensualidade estão muito associadas à juventude e, nesta exposição, esta questão cai por terra! Perpassa o tempo….

E – Não deixa de ser curioso ter alunos com mais de 65 anos a estudar gerontologia. Este facto terá facilitado a disponibilidade para posarem para as lentes de um fotógrafo profissional?

PM – Sem dúvida! Nestes dois anos tenho trabalhado o envelhecimento do ponto de vista emocional, cognitivo e social, pois, foram as áreas em que a maioria dos meus alunos demonstraram interesse. Trabalhei vários temas, desde os atuais paradigmas culturais até às questões emocionais e pessoais de cada um.

Levei-os a refletir sobre as escolhas que fizeram ao longo da vida, as crenças, os valores, os conceitos e pré-conceitos. Nestas reflexões, observaram o que de facto refletem as suas crenças e valores e as que foram “impostas” pelo contexto sócio-familiar, sem nunca terem questionado se estavam de acordo com a sua visão do mundo.

Considero que este trabalho proporcionou a cada um deles, de acordo com as suas possibilidades e limitações, a aquisição de  uma certa segurança emocional para se desnudarem do medo, dos preconceitos e da opinião pública. Eles próprios chegaram a essa conclusão após a sessão fotográfica, como vocês terão oportunidade de ver nas frases que selecionámos para ilustrar a galeria da ACERT.

E – O idadismo, o estigma e o preconceito são, ainda, traços fortes na nossa comunidade. O que poderão fazer os agentes culturais para contrariar esta realidade?

PM – Na verdade, os média já vêm gradativamente mudando este cenário. Atualmente, vemos, por exemplo, a indústria da cosmética utilizando modelos reais e com mais idade, como por exemplo, a atriz Jane Fonda que participa numa campanha de cremes anti-envelhecimento. Nota-se que os comerciais de produtos geriátricos trazem idosos em atividades desportivas e sociais, com um estilo de vida mais jovial.

Sabemos que isto é o reflexo do aumento de consumidores deste estrato etário. Mas para além disso, acredito que as escolas deveriam fomentar um espaço de discussão e debate sobre “os novos idosos”. Há cerca de dois anos, os alunos da Universidade Sénior realizaram uma peça teatral com os alunos da escola Secundária de Tondela e foi muito interessante perceber o olhar que os jovens traziam para o primeiro ensaio e o olhar com que saíram após a realização da peça.

E – Se a beleza não é só minha, afinal de contas, de quem é?

PM – A beleza é minha, é sua é de todos nós! Está presente em todas as idades, é de todas as cores, formas e feitios. Para isto não podemos ter uma visão míope da vida e, principalmente, do ser humano, o que acontece, quando nos habituamos a procurar a beleza encaixotada em padrões estereotipados.

E – Estando a beleza e o culto da juventude fortemente interligados, contam ter jovens, por exemplo das escolas, a visitar a exposição?

PM – Sim, convidámos várias diretores e professores de escolas do Concelho e fizemos a divulgação em algumas universidades, com o objetivo de, futuramente, fomentarmos um encontro entre os alunos e os “modelos”, alunos da Universidade Sénior, para promovermos um debate e uma reflexão sobre a temática. Alias, a data da exposição foi pensada justamente por haver neste final de semana um seminário da Educação na ACERT, o que nos dá a oportunidade de ampliar a divulgação deste projeto.

E – O que consideram ser um envelhecimento positivo?

PM – Reconhecer que em todas as idades há perdas e ganhos, promover a auto reflexão diária sobre os nossos anseios, medos, potenciais, limitações, conceitos, pré-conceitos e aspirações. Para irmos ajustando os nossos reais desejos a nossa forma de viver.

Como diz Adélia Prado “(….) É, acima de tudo, renovar a mobília interior: tirar o pó, dar brilho, trocar o estofado, abrir as janelas, arejar o ambiente. Porque o tempo, invariavelmente, irá corroer o exterior. E, quando ocorrer, o alicerce precisa estar forte para suportar.(…)”

É ver BELEZA na diversidade e na singularidade, na história registada nas marcas de expressão, nas cicatrizes que simbolizam a vitória.

É viver/envelhecer sem medo de ser feliz!

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