Ao romper da alva, o despertar ao som da capoeira dava início a mais um dia. A tigela de sopa entulhada de hortaliça e pedaços de toucinho aconchegava o estômago de petizes e graúdos. Pela fresca, as ruas e carreiros enchiam-se de gentios com destino certo. Os mais novos entregues aos cuidados dos mais velhos, porque os de meia idade labutam lá longe, para lá da cordilheira dos Pirenéus.

Por cá, o ritmo dos dias longos de Estio, eram marcados pela azáfama dos trabalhos agrícolas da aldeia. O cruzeiro no centro do logradouro, assinalava uma terra com usos e costumes cristãos arreigados, onde o sino da igreja marcava meia em meia hora, o tempo lento das labutas diárias,  nas fazendas próximas. As carroças e os muares transportavam  nas taleigas, na ida as pequenas ferramentas e a “bucha” e na vinda os molhos de canas e um braçado de lenha.

Quando chegava para férias … A casa estava quieta, envolta numa penumbra silenciosa e calma. A minha agitação quase passava despercebida, às silhuetas vestidas de negro. As escadas inclinadas, serventia de um sótão luminoso, outrora guardião de arcas de tesoiros escondidos da minha infância. Último reduto de brincadeiras construídas com fantasias e imaginação fértil, num interminável monólogo solitário.

Guardo bem presente a ternura herdada dos meus avoengos, pessoas simples no trato, mas enormes na sua generosidade com os seus vizinhos e forasteiros. Uma casa de porta aberta, com mesa posta… Em cima do linóleo a navalha, a malga das azeitonas galegas, o queijo curado e a chouriça ao fumeiro. Ao entardecer, a anciã acende o lume com enorme destreza, no pote os ingredientes para fazer a ceia , enquanto o ancião arrecada e alimenta o “vivo”. Aos poucos os silêncios estendem-se pelas divisões da casa, as cabeças cedem ao cansaço cabeceando, como se estivessem a pesar queijos. Sinal que chegou a hora de cada um recolher-se e aninhar-se na sua enxerga de palha centeia, numa qualquer barra de ferro gingona