Artigo

Medicina da família é a base dos sistemas de saúde no Japão e no Canadá

Eles estudam as doenças mais comuns da população e conhecem bem os moradores de uma comunidade

Eberhart Portocarrero Gross

Médico de família na favela da Rocinha, no Rio, e coordenador de atenção primária à saúde do Centro Internacional da Longevidade (ILC)

“Sinto dores na cabeça e nos olhos, vou a um neurologista ou um oftalmologista?”, “Como sei se o remédio para o joelho interfere com o do estômago?”, “Essas palpitações são ansiedade ou um problema cardíaco?”.

Com a idade, aumenta a chance de fazermos perguntas desse tipo. Além de angustiantes, elas também apontam para os riscos de diagnósticos tardios, de interações medicamentosas e outros. Não seria bom dispor de uma maneira para resolver tudo isso? Pois trago boas novas: há. Chama-se medicina de família e comunidade —ou MFC, para os íntimos.

Os especialistas nessa área podem ser entendidos como uma versão atualizada do “médico de antigamente”.

Todos temos uma ideia daquele tipo que atendia toda a família, no consultório ou em casa, sem restrição de idade, gênero ou problema de saúde. Mas será que isso ainda é possível, com tantas descobertas científicas acontecendo todos os dias? Mais uma vez, a resposta é encorajadora.

Em vez de focarem em um órgão ou faixa etária, estes médicos estudam bem as doenças mais comuns da população.

Por acompanharem as pessoas ao longo de anos, em momentos felizes, como no nascimento de um filho, ou tristes, como no diagnóstico de um câncer, conhecem não só o histórico, mas a personalidade e as características únicas daqueles indivíduos, seus valores e preferências. Colocam as inovações da medicina a serviço das pessoas que atendem, e não o contrário.

Também consideram, como o nome da especialidade indica, as relações familiares e sociais, que tanto impactam os adoecimentos como são são impactadas por elas.

Como atendem “de tudo”, não precisam se preocupar com as falsas separações entre corpo, mente, sociedade, ambiente: conseguem olhar o quadro, complexo, de uma só vez. Com o tempo, estabelecem fortes relações de confiança e compromisso.

 

 O médico de família Murilo Leandro Marcos, da prefeitura de Florianópolis, faz sessão de acupuntura na paciente Dóris Paiva Salvá durante visita domiciliar na região da Lagoa da Conceição – Lalo de Almeida – 12.abr.2018/Folhapress

 

Aos que permanecem céticos, vale dizer que tudo isso já foi confirmado na prática e em estudos científicos.

Afinal, boa parte da Europa, Japão e Canadá baseiam seus sistemas públicos de saúde na chamada atenção primária, em que médicos de família, muitas vezes em equipe com outros profissionais, resolvem cerca de 85% das questões que lhes são trazidas e compartilham com médicos de outras especialidades o manejo das 15% restantes.

Voltemos às dúvidas e aos riscos lá do início. É claro que ambos podem comprometer muito a nossa longevidade, mas também já está óbvio que existe uma saída. Ainda há tempo para agirmos, como indivíduos e como sociedade.

Para chegar bem aos cem, providencie desde logo seu médico de família. Melhor ainda, defenda um sistema público de saúde com médicos de família e comunidade.

 

 

 

 

SEÇÃO DISCUTE QUESTÕES DA LONGEVIDADE

A nova seção Como Chegar Bem aos 100 é dedicada à longevidade e integra os projetos ligados ao centenário da Folha, a ser celebrado em fevereiro de 2021.

A curadoria da seção é do médico Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional da Longevidade (ILC) no Brasil e ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde).

FOTO DE CAPA:

O médico de família Marcos Marzollo, da prefeitura de Florianópolis, faz visita à casa do paciente Juarez Lopes, idoso e deficiente visual, que mora numa zona de difícil acesso na comunidade Mont Serrat – Lalo de Almeida – 12.abr.2018/Folhapress

 

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