Artigo

Para sempre confinados?

Vivemos tempos diferentes, tempos em que temáticas antigas surgem na comunicação social como situações desconhecidas e extremamente preocupantes, devido à falta de visibilidade, falta de apoio e outras faltas, essas mais graves, que vieram a conhecimento público, despertando o interesse (momentâneo) da sociedade. Falamos, pois, desse grupo de pessoas que tem mais uns anos e passou a barreira dos 65.

Considerado o grande grupo de risco, houve uma série de diretivas que lhes tirou a liberdade, confinando-os ao seu mundo interior para ficarem protegidos. Tiramos-lhes a família, os amigos, as rotinas, a estimulação do seu quotidiano. Tiramos-lhe a vontade, a iniciativa, o poder de decisão.

Para uma percentagem dos mais velhos, a diferença não foi muito sentida. Afinal, a proximidade da família, dos amigos e dos conhecidos seria praticamente inexistente e as suas rotinas, de tão curtas, conseguiram manter-se, assim como a pouca estimulação do seu quotidiano. Quando penso na vontade, na iniciativa e no poder de decisão dos mais velhos, não é isso que a sociedade tem vindo a fazer nas últimas décadas? Quando não queremos que se preocupem com as suas coisas, pois já não têm idade para isso, o que estamos a fazer? Quando tomamos decisões por eles, pois já não têm o mesmo discernimento nem capacidade de há uns anos, o que estamos a fazer?

Confinar. Restringir. Limitar.

Terá sido em março de 2020 que esta realidade apareceu para os mais velhos? Terá sido a pandemia que atravessamos, agora numa fase mais tranquila, que desencadeou nas suas vidas o confinamento?

Seja na comunidade, nas instituições ou nas políticas sociais, os mais velhos são, há muito, esquecidos e as suas necessidades são descuradas, como se só fossem existir por um curto período de tempo, dada a finitude natural da vida. Se a pessoa necessita de tecnologia de apoio para a sua deslocação, como um andarilho ou uma cadeira de rodas, vários locais foram, já à partida, cortados à sua passagem, tanto interiores como exteriores, uma vez que as infra-estruturas não estão preparadas para quem tem dificuldade na deambulação, sendo o risco de queda enorme. Se um dos maiores receios de uma pessoa idosa é cair, ficam automaticamente confinados ao seu espaço, pois preferem o isolamento a uma situação fraturante. A participação social e ativa, tornando-os mesmos atores sociais, é um não assunto nos dias de hoje. Somos, enquanto sociedade, incapazes de reconhecer o valor e as capacidades dos mais velhos, quando ainda podem contribuir imenso para toda a construção humana, política e social que temos para desenvolver.

As diferentes dimensões na vida dos mais velhos, sejam física, social, emocional, psicológica, cultural, de saúde, segurança, participação, assim como os seus direitos estão há muito ignoradas, na esperança que não seja necessário trazê-las para a ordem do dia, percebendo a urgência na sua abordagem.

Perdemos, enquanto sociedade, o respeito pelos mais velhos, assim como a sua dignidade. Emocionamo-nos imenso ao ver na televisão as notícias sobre o abandono dos mais velhos nas instituições, nos hospitais, aqueles que sofrem violência física e psicológica não só nas instituições mas também nos seus domicílios, por parte de quem nunca estariam à espera (…) mas o que fazemos em relação a essa informação? Que ação executamos para melhorar a vida deste grupo de pessoas? Parece que a emoção esvoaça com o passar da notícia, ou a mudança de canal.

É altura de reconhecermos a ampla gama de capacidades e recursos entre os mais velhos, prevendo e respondendo, de forma flexível, às suas necessidades e preferências. É nossa obrigação protegermos os mais vulneráveis, promovermos a sua inclusão e contribuição em todas as áreas da vida comunitária.

Vamos assumir que temos sido irresponsáveis na defesa dos direitos das pessoas idosas. Mas vamos, ao mesmo tempo, assumir a mudança da nossa postura e o quão urgente isso é.

A Organização Mundial de Saúde definiu 2020-2030 como A Década, a década do envelhecimento saudável. Não será este o tempo certo para agirmos? Não será este o mote que a sociedade precisaria para reconhecer a grande necessidade de mudarmos a forma de pensarmos o envelhecimento?

Afinal, os mais velhos somos todos nós. É só uma questão de tempo, de números.

Sempre, no caminho da mudança do paradigma do envelhecer.

Joana Ferreira

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