Espero que, nesta reta final de campanha eleitoral, as pessoas idosas pensem no legado que vão deixar
As projeções são claras. O IBGE divulgou em julho que há mais brasileiros com idade superior a 50 anos do que abaixo de trinta. Nas próximas décadas, o único segmento da população que continuará crescendo é o de pessoas idosas. Os 60+ são hoje cerca de 15% da população, passando a mais de 30% em 2050. Você que me lê e tem hoje 32 anos, será um deles. Já pensou como chegará lá?
Pois comece a se preparar desde já, ou encontrará surpresas. Nem sempre as melhores surpresas. Cuidar da saúde, adquirir conhecimentos ao longo da vida, insistir no direito de participar integralmente da sociedade —o que pressupõe ter direitos que o assegure— e investir na proteção para que a velhice não seja um período em que você se sinta desprotegido, desamparado, todos esses pilares são essenciais para lhe assegurar qualidade de vida à medida em que se envelhece.
Mas não basta seu esforço individual. É preciso que tenhamos políticas públicas que o sustente. Entre elas, uma política intransigente que combata o idadismo, o preconceito insidioso que rechaça, discrimina, corrói a autoestima daqueles que envelhecem. Reconheça em você mesmo as atitudes e ações idadistas. Espelhamos a sociedade em que vivemos. Um país que não reconhece os vários ‘ismos’ não pode dar certo: do sexismo, racismo, incapacitismo, à homofobia, ao preconceito contra os pobres, aos de baixo nível educacional (não é culpa deles!) e à xenofobia, inclusive contra outros brasileiros, de regiões mais pobres.
Nada disso acontece por ‘milagre’. É preciso reconhecer em nós os preconceitos, através de introspecção, empatia, autoanálise. A líder antirracista norte-americana Angela Davis há anos prega: não basta não ser racista, é preciso ser antirracista. Parafraseando-a, não basta não ser idadista, é preciso ser anti-idadista.
E, no entanto, as campanhas eleitorais vão chegando ao final e pouquíssimo se falou sobre a que se propõem os candidatos e partidos em relação ao segmento que mais crescerá ao longo do século 21. É de interesse de toda a sociedade que à medida que a população 60+ cresça haja políticas que a assistam a continuar contribuindo para suas famílias, comunidades, para a própria economia.
Escrutinei as plataformas de todos os partidos e encontrei apenas um com uma proposta de governo para o envelhecimento. É fácil encontrá-la, agora que as coalizões para o segundo turno reduziram as opções a duas.
Nós, pessoas idosas, estamos traumatizadas. Foram muitas as mortes de amigos, familiares, vizinhos — não só pela pandemia. Mais de 10 milhões de brasileiros caem na pobreza por ano devido a gastos com saúde, segundo estudo do Banco Mundial. Entre 2013 e 2019, a proporção de usuários do SUS (única fonte de acesso a saúde para mais de 80% dos idosos no Brasil) que não conseguiram nenhum medicamento no serviço público de saúde aumentou 7,8 pontos percentuais, para 44,2%. Isso mata. Como mata a fome aguda da qual padecem hoje mais de 30 milhões de brasileiros, 14% da população, 53% de nós convivendo com insegurança alimentar.
Talvez seja uma tendência natural o voto mais conservador das pessoas idosas. Mas eu espero que, nesta reta final, elas pensem no legado que vão deixar. No sonho de virem a ter um neto formado em uma universidade pública —pois sabem que eles não terão recursos para pagar uma universidade privada.
Queremos para nós o direito de envelhecer de forma digna. Queremos água, comida, teto —mas queremos também arte, cultura e futuro para nós e para nossos netos e filhos.
Alexandre Kalache
ARTIGO PUBLICADO NA FOLHA DE SÃO PAULO
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