Artigo

Precisamos de mais mulheres idosas nos cargos públicos

Desigualdade de gênero impacta também o envelhecimento

Marilia Berzins

Doutora em saúde pública pela USP, presidente do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (Olhe) – São Paulo, e coordenadora da área de gênero e envelhecimento do Centro Internacional da Longevidade (ILC) no Brasil

Kamala Harris, primeira mulher a ocupar a vice-presidência dos Estados Unidos, filha de pais imigrantes (mãe de origem indiana e pai jamaicano), quebrará vários preconceitos em relação à mulher. Não foi fácil para ela chegar a essa posição.

Passaram cem anos desde que o direito ao voto e a participação da mulher na política foram aprovados no país. Desde então houve progresso, mas os avanços ainda escondem desigualdades, inclusive no que se refere ao envelhecimento, que possui um forte componente de gênero. Romper papeis e destinos sociais reservados às mulheres não é tarefa simples.

gênero é uma construção social complexa que define os locais e funções que a mulher “deve” ocupar na sociedade, diferindo de acordo com o período em que se vive e os contextos socioeconômicos e culturais de cada povo.

A OMS (Organização Mundial da Saúde) reconhece o gênero como um fator crítico para o processo do envelhecimento, pois determina valores e atitudes dadas aos homens e às mulheres pela sociedade.

O processo de envelhecimento é díspar de acordo com o sexo das pessoas. No Brasil, as mulheres vivem cerca de sete anos a mais do que os homens, mas isso não significa que elas vivam em condições melhores. Fatores como a discriminação e a violência doméstica podem resultar em dupla ou mesmo tripla vulnerabilidade: gênero, idade e raça.

As desigualdades por sexo na velhice, determinadas por contextos adversos, estruturais e socioeconômicos, comprometem as condições de saúde, renda, cuidados de si e dos familiares e levam a grandes demandas por políticas públicas e prestação de serviços de proteção social.

O debate sobre gênero e envelhecimento requer inúmeros avanços por parte dos próprios idosos, das famílias, da sociedade e do estado. No que diz respeito à tomada de decisões, a necessidade é ainda mais urgente. As mulheres, principalmente as mais idosas, não estão participando proporcionalmente nos espaços públicos de tomada de decisões.

Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 13,1% dos eleitores com mais de 70 anos são vinculados a um partido, um excelente indicador. Entretanto, as mulheres idosas representam números insignificantes neste percentual.

Mulheres idosas devem ter o direito de participar da vida pública, exercendo cargos eletivos em todos os níveis democráticos. Mas eleitores jovens e idosos manifestam preconceitos à candidatura de mulheres idosas.

A luta deve prosseguir para não apenas cumprir a cota obrigatória de 30% destinada às mulheres. O número de candidatas idosas a funções públicas é insignificante.

Velhice não é doença ou sinônimo de incapacidade. Mulheres idosas podem continuar a desenvolver a participação social e exercer cargos públicos e liderança de uma cidade, de um estado e de um país. Com mais mulheres idosas na política, seremos mais representadas, em busca de uma sociedade para todas as idades.

Para compor uma sociedade na qual mulheres idosas possam exercer seus direitos e sua participação social efetiva e contributiva, rumo a um país mais justo e igualitário, é fundamental reconhecer os efeitos diferenciados na questão de gênero e envelhecimento e, ao mesmo tempo, oferecer possibilidades de formulação de políticas públicas eficazes e eficientes para reduzir as desigualdades de gênero.

 

FOTO DE CAPA: Maria Adélia Cardoso de Oliveira Azevedo penteia os cabelos na poltrona de seu quarto no Alto da Lapa em São Paulo – Gustavo Lacerda – 04.abr.2016/Folhapres

 

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