Em 2100, meu neto terá 80 anos; quais políticas existirão para que ele envelheça de forma saudável?
De acordo com projeções feitas pelo prestigiado Instituto de Métricas e Avaliação para a Saúde (conhecida pela sigla em Inglês IHMEU) da Universidade de Washington, no final do século, 183 dos 195 países hoje existentes verão suas populações declinarem. Destes, 23 países —como Japão, Itália, Espanha, Portugal, Tailândia e Coreia do Sul, terão menos da metade da população atual. Neles, mais pessoas celebrarão seus 80 anos que crianças nascerão.
As projeções foram recentemente publicadas na influente revista médica The Lancet. Quando eu li o artigo, minha reação imediata foi a que talvez a maioria dos leitores terão tido: 2100, mas que futuro tão distante! E aí me dei conta: é quando o Dylan estará quase com 80 anos.
Dylan é meu neto, nascido em abril. Em 2096 ele terá a idade que eu tenho hoje. Nascido no Reino Unido, onde a expectativa de vida já é hoje de mais de 80 anos (como em pelo menos 26 outros países) a chance é que, nascido em uma família de nível educacional alto, viva bem mais que a média. Portanto Dylan, muito provavelmente, assistirá a virada para o século 22.
Nas últimas décadas as mulheres alcançaram níveis mais altos de educação formal, ingressaram no mercado de trabalho remunerado e tiveram mais acesso a métodos contraceptivos eficazes, confiáveis e seguros. As taxas totais de fecundidade, TTF (ou seja, o número de filhos que em média as mulheres têm ao final de sua vida reprodutiva) eram, a nível global, 4,7 em 1950; atualmente é de 2,4 e antes de 2100 a projeção do IHMEU é que seja de algo próximo a 1,7 —que é a TTF que temos no Brasil há mais de 20 anos.
Se a TTF cai abaixo de 2 a população não se repõe. Permanecendo nestes níveis abaixo da reposição, a população, após certo tempo, entra em declínio —a menos que se abra para imigrantes, com todas as implicações políticas resultantes, passando pela xenofobia já tão manifesta na Europa e na América do Norte. E que tomem nota aqueles que ainda não fizeram uma revisão profunda em seus preconceitos. No final do século, a Índia será o país mais populoso do mundo seguido da Nigéria, que terá então cerca de 800 milhões de habitantes. A China —atualmente o país mais populoso do mundo —cairá para a terceira posição no ranking, com cerca de 730 milhões de habitantes.
Não será diferente no Brasil que deverá ver sua população entrar em declínio a partir de 2040 e chegar já em 2050 —meros 30 anos —com uma proporção de idosos duas vezes maior que a atual, em números absolutos, cerca de 67 milhões.
Daí, minha pergunta: quem cuidará do Dylan?
Que políticas devem ser implementadas já para que ele cresça e mantenha-se saudável até os 100? As projeções demográficas indicam claramente: será indispensável repensar de imediato a sociedade do futuro para que o Dylan viva em uma sociedade menos preconceituosa, menos racista, menos sexista (afinal, são as mulheres que continuam a cuidar de nós, homens, e isso é também necessário mudar). E menos idadista.
Serão muitos os idosos e é imperativo investir na educação e na saúde dos jovens de hoje para que eles cheguem a 2100 participando plenamente da sociedade, mantendo-a assim produtiva, sustentável e viável.
Do contrário, a pergunta ”Quem vai cuidar do Dylan?” poderá ter uma resposta sinistra.
Alexandre Kalache
Artigo originalmente publicado na Folha de São Paulo
SEÇÃO DISCUTE QUESTÕES DA LONGEVIDADE
A seção Como Chegar Bem aos 100 é dedicada à longevidade e integra os projetos ligados ao centenário da Folha, celebrado neste ano de 2021. A curadoria da série é do médico gerontólogo Alexandre Kalache, ex-diretor do Programa Global de Envelhecimento e Saúde da OMS (Organização Mundial da Saúde).
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