Artigo

REVISTA ENVELHECER EDIÇÃO N.º 8

EDITORIAL

Um dos livros de José Saramago que mais me marcou, depois de Ensaio Sobre a Cegueira”, foi “As Intermitências da Morte”.  Escreveu-os aos 82 anos. Começa assim: “No dia seguinte ninguém morreu.” O nobel da literatura leva-nos a imaginar um país onde se deixa de morrer e descreve as consequências da tão desejada imortalidade. Rapidamente a utopia da eternidade transforma-se num caos:

“Que vamos fazer com os velhos, se já não está aí a morte para lhes cortar o excesso de veleidades macróbias.

Os lares para a terceira e quarta idades, essas benfazejas instituições criadas em atenção à tranquilidade das famílias que não têm tempo nem paciência para limpar os ranhos, atender aos esfíncteres fatigados e levantar-se de noite para chegar a arrastadeira, também não tardaram, tal como já o haviam feito os hospitais e as agências funerárias, a vir bater com a cabeça no muro das lamentações.”

A vida eterna continua a ser perseguida e nunca como agora se investiu tanto na procura da fórmula mágica. Joana Pereira Bastos, no Expresso (07/01/2022), no artigo Viver para sempre, um negócio de milionários”, conta-nos que alguns dos homens mais ricos do mundo financiam investigação para parar o envelhecimento: “Jeff Bezos, o homem mais rico do mundo, tornou-se um dos principais financiadores da Altos Labs, uma misteriosa startup criada em setembro, em Silicon Valley, com o mais ambicioso e ousado dos objetivos: encontrar o ‘elixir da juventude` e expandir em várias décadas a longevidade humana.” Um dos projetos percursores foi a Calico, lançado pela Google, em 2013. Há cada vez mais investigadores a encarar o envelhecimento como uma “anomalia” que pode ser tratada. Na habitual visita, uma terapia relaxante, a uma livraria, deparei-me com uma novidade, o livro “Eternamente Jovem: Como a Ciência planeia travar o envelhecimento”, do investigador Andrew Steele (Desassossego, 2022). O biólogo computacional defende a tese de que o envelhecimento não é um processo natural inevitável, mas antes uma doença em si mesma que pode vir a ser tratada. João Pereira Coutinho, assinou um texto inteligente e bem-humorado, na Folha de São Paulo (17/01/2022): “Não adianta gastar para ser imortal e encontrar a Paris Hilton no futuro”. A socialite, atriz, cantora, modelo (…) já terá reservado o seu lugar na geladeira, O que significa que uma pessoa investe na longevidade e, em meados do século 22, tem a desagradável surpresa de reencontrar Paris Hilton em plena atividade. Ninguém merece.”. Parecem ser bastante procuradas, por gente abastada, soluções como o processo de criogenização, injeções de células-tronco, transfusões de sangue jovem, câmaras hiperbáricas para dormir com o oxigênio mais puro. A indústria do antienvelhecimento tem um poder colossal. “Há imensos interesses econômicos, ligados à indústria “anti-ageing”. Os últimos dados a que tivemos acesso, de 2014, mostram que somente naquele ano nos EUA ela movimentou US$ 37 bilhões.” (Alexandre Kalache). Kalache, Presidente do Instituto Internacional da Longevidade do Brasil, alerta: “Tratar velhice como doença é erro que alimenta utopia da juventude eterna.”.

Estivemos, até há uns dias atrás, a viver um paradoxo. A mesma OMS que lançou a Campanha Mundial contra o idadismo, #AWorld4AllAges, preparava-se para classificar a velhice como doença. Uma forte mobilização e pressão da sociedade civil de âmbito internacional provocou um volte face. Uma nota oficial da Organização Pan-americana da Saúde (OPAS), ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), confirmou a retirada da classificação de velhice como doença na próxima Classificação Internacional de Doenças (CID-11), que entrou em vigor em janeiro de 2022. Orgulhamo-nos da participação ativa do Movimento #StopIdadismo no apoio à causa, lançada no Brasil, tendo em Alexandre Kalache uma voz incansável #VelhiceNaoEDoenca.

“É na disposição e na vontade que reside o segredo, não de prolongar a vida, mas de recompensá-la por ter sido bem usada.” (Sherwin B. Nuland, A arte de envelhecer, 2008)

“Onde fomos mais arrogantes, horrível, foi quando as pessoas acharam que iam resolver o problema da morte. Passámos a ter uma longevidade enorme e estamos a esticar demais a longevidade e o envelhecimento. A gente sabe que mais cedo ou mais tarde podemos ter morbilidades, mas há algo muito pior, que é a fragilidade da dependência, a solidão e a insegurança. Isto vai aumentar e, para mim, os dois grandes problemas que temos é a pobreza – e em Portugal, nesta altura, a quase pobreza – e a outra coisa é não estarmos a perceber que vamos ter de lidar com a longevidade. Devíamos bater-nos por ter melhor qualidade e não maior duração da vida.” (Sobrinho Simões, Entrevista ao Jornal de Notícias e TSF, 2/01/2022)

Estou muito mais alinhado com o patologista e investigador Sobrinho Simões e o cirurgião e professor na Universidade de Yale Sherwin B. Nuland. O foco deve estar na criação de condições que permitam dar vida aos anos, combater o idadismo e construir uma comunidade para todas as idades.

Procuramos, nesta nova edição, dar o nosso contributo. Descubra as propostas de novos modelos de residência, propostas por Inês Rito, especialista em envelhecimento e moradia, que acaba de lançar o livro “Morar 60 Mais: Revolucionando a Moradia em face da Longevidade”. Já ouviu falar das Blue Zones? Silvia Triboni, Repórter 60+, entrevista, na Sardenha, o cofundador Gianni Pes, no âmbito da Expedição Centenarian que tem por objetivo explorar as famosas Zonas Azuis. A criatividade e a excelência dos trabalhos de pintura – Luís Teles – e de fotografia – Pedro Moreira são imperdíveis. Pedro Moreira assina também a fotografia de capa desta edição. Uma das coisas boas deste projeto, Plataforma e Revista Envelhecer, é poder conhecer gente boa, humanamente e profissionalmente. Creio que todos perceberão, um dos momentos altos deste projeto foi poder assistir, em Aveiro, ao lançamento dos volumes I e II dos “Apontamentos Brasilianos” do Doutor Brasilino que acedeu a responder por correio eletrónico à entrevista que o leitor poderá encontrar nesta edição. Protagonizou um caso inédito em Portugal: “um caloiro universitário, com 77 anos de idade: licenciado aos 81 anos e doutorado aos 85 anos.” Descubra quais foram as suas principais motivações para encetar um percurso tão desafiante e exitoso.

No dia 30 de janeiro de 2022 realizar-se-ão eleições legislativas. Vamos apoiar a campanha do Movimento #StopIdadismo Voto 60 Mais que tem como objetivo alertar para a importância da participação democrática e de apoiar candidatos que plasmem e assuam nos seus programas propostas que contribuam para a melhoria da qualidade de vida.

Associamo-nos também ao projeto Calendário “8 e 80”, uma iniciativa do Movimento #StopIdadismo e do Jornal do Centro, que sensibiliza as crianças nas escolas, as famílias e a sociedade, para o tema do preconceito pela idade. Este calendário promove, de forma criativa, as práticas da educação para a não descriminação, já objeto de trabalho em muitas escolas. Com uma linguagem simples e desenhos exclusivos, adequados à sua idade, as crianças aprendem atitudes importantes, que transmitirão aos seus amigos e às suas famílias.

Desejamos a todos um EXCELENTE 2022!

EDIÇÃO DIGITAL DA REVISTA

 

JOSÉ CARREIRA 

 

FOTO: PEDRO MOREIRA

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