Artigo

ACESSO À SAÚDE

Enquanto aguardava pela chamada da médica de família para a realização de uma consulta programada, comprovei o acelerado envelhecimento da população portuguesa, com especial incidência no interior do país e nas freguesias rurais.

Em poucos minutos constatei que sou um privilegiado, sou utente do Serviço Nacional de Saúde e tenho médica de família atribuída. Duas senhoras que tentaram inscrever-se no posto de saúde local obtiveram a seguinte resposta:

“As ordens que tenho são para não aceitar mais utentes, lamento.”

As senhoras argumentaram com as suas dificuldades de transporte a idade avançada e as maleitas que as condicionam. As dificuldades de mobilidade eram bem visíveis…

Entrei no consultório, conheci a minha nova médica de família que se revelou profissional, simpática e preocupada com o estado da saúde em Portugal. Conversámos um pouco, dei-lhe nota da minha preocupação pela dificuldade das senhoras em terem médica de família e obtive a justificação compreensível: “Tenho quase 1800 utentes no meu ficheiro, muitos são pessoas idosas que precisam de acompanhamento sistemático.”

Uma das principais queixas dos doentes é a falta de tempo para falar com os médicos. Quantas pessoas, especialmente idosos, se sentem sós e se sentem melhor apenas porque podem dialogar com o profissional de saúde?

Que tempo terá a minha médica de família para cada utente? 5…10…15 minutos?

A Ordem dos Médicos, consciente destas dificuldades, definiu tempos mínimos para as consultas das diferentes especialidades e considerou que as primeiras consultas feitas pelos médicos de família devem ter uma duração padrão entre os 30 e os 45 minutos. As propostas foram colocadas em discussão pública e serão enviadas ao Ministério da Saúde.

Longe vão os tempos em que o mesmo posto de saúde disponibilizava três médicos à população. Assim se esvaziam as aldeias, o interior e, em contraponto, crescem os matos e multiplicam-se os incêndios. A dificuldade no acesso à saúde é um dos preços da ruralidade e interioridade.

Note bem, consegui programar uma nova consulta para maio, três meses depois, para poder mostrar o resultado de análises e exames…

Estranhamente, nessa noite, vivi um estado febril que se agravou no dia seguinte. Consciente do caos das urgências do hospital público, com os surtos gripais, optei por ir à urgência do Hospital da CUF. Após duas horas de espera, o diagnóstico de uma amigdalite aguda e uma fatura de 90€, perguntei-me:

– Como podem as famílias portuguesas ter acesso aos serviços de saúde?

– Quem não tem médico de família, nem 90€ + medicamentos + deslocação, que alternativas tem?

Os mais pobres são os mais doentes e os mais doentes são os mais pobres. “Um ancestral e inquebrável ciclo de pobreza e doença a que urge pôr fim.” (Observatório Português dos Sistemas de Saúde, no seu Relatório de Primavera 2016[1])

[1] http://opss.pt/wp-content/uploads/2018/06/Relatorio_Primavera_2016_1.pdf

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