Artigo

Sociedade deve ser para todos, incluindo mulheres idosas

Pandemia aumenta desigualdade de gênero e casos de violência doméstica contra idosas

A pandemia do coronavírus vai muito além do aspecto epidemiológico. É, na verdade, uma sindemia, pois tem impactos sociais, econômicos e políticos sem precedentes. Escancara a desigualdade socioeconômica brasileira com violações aos grupos mais vulneráveis, sobretudo mulheres, negros e pessoas idosas.

A Covid-19 coloca sob risco ganhos precários ligados à igualdade de gênero, à saúde e à educação e implica um retrocesso associado ao trabalho informal e ao trabalho não remunerado, além da violência, sobretudo doméstica.

Ressalta também o imenso ônus do cuidado, das crianças aos idosos da família.

O impacto é ainda maior para as mulheres idosas, que têm sofrido de forma extrema as diferenças de gênero, seja pela restrição de sua autonomia dentro de casa, seja pelo aumento da violência doméstica.

Aumentaram em 59% as denúncias de violência doméstica contra pessoas idosas, sobretudo mulheres, durante a pandemia. O isolamento social expôs uma realidade dura: para mulheres idosas, nem sempre a casa é o lugar mais seguro.

A pandemia também afeta as cuidadoras de idosos, trabalho de baixo reconhecimento social e frequentemente feito por mulheres em situação de vulnerabilidade social.

Na pandemia, essas profissionais têm sofrido discriminação e atuam, muitas vezes, em condições similares ao trabalho escravo. Cuidam de pessoas idosas e, no entanto, não têm sequer o direito à vacina por não serem consideradas profissionais de saúde. Cuidam de pessoas idosas, mas não são cuidadas por famílias e pelo Estado, omisso no ordenamento das relações de trabalho, dignidade e respeito.

O envelhecimento populacional revela que papeis de gênero inflexíveis não são mais suportáveis. Recusar à mulher a igualdade de direitos em virtude do sexo, idade ou etnia é negar justiça a mais da metade da população brasileira.

Esta é a nossa voz, nossa força, nosso lugar de fala. E lugar de fala não é impedir alguém de falar, é dizer que outra voz precisa falar e ser ouvida. Isso significa conscientizarmo-nos, como sociedade, da importância em dar a elas reconhecimento, protagonismo, inclusão e lutar pela conquista de direitos de igualdade nas discussões que permeiam a vida social neste momento tão dramático para nós, brasileiras.

As mulheres idosas brasileiras precisam entender o espaço em que se encontram e participar do processo de organização para, a partir daí, falar com propriedade em nome da sua representação, com liberdade e responsabilidade. Nossa luta deve traduzir o esforço coletivo de termos no Brasil o compromisso e a prática do envelhecimento digno para todos e para todas.

O futuro e o presente do Brasil é a velhice. Resgatamos a dignidade quando exercemos nosso direito e dever de participar do mundo de hoje, sem renunciar aos valores éticos, empoderando as mulheres, independentemente da idade, raça, condição econômica, religião ou qualquer outro marcador reservando-lhes o respeito e a participação social.

Defendemos uma sociedade justa para todos e todas, de todas as idades. Mas seria essa uma questão somente para nós, mulheres?

 

Marília Viana Berzins

Doutora em saúde pública pela USP, presidente do Observatório da Longevidade Humana e Envelhecimento (Olhe) – São Paulo, e coordenadora da área de gênero e envelhecimento do Centro Internacional da Longevidade (ILC) no Brasil

FOTO DE CAPA: Mulheres idosas participam do projeto Uma Vida Melhor, em São Paulo – Danilo Verpa – 24.fev.2014/Folhapress

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