Orgulho-me de, enquanto estudante no ensino superior, ter trabalhado, anualmente, durante três meses, na empresa de limpeza alemã Kleesattel. À data, confesso, custava-me um pouco saber que os meus amigos e amigas estavam na praia, em regra no Algarve, o estrangeiro ainda estava muito longe, não havia voos low cost, enquanto eu ia para o estrangeiro, para a Alemanha, para Stuttgart, trabalhar nas limpezas… Contudo, não pensava duas vezes, ia motivado, queria muito ter uma casa, na aldeia, com as condições mínimas de dignidade e conforto. Colaborar no esforço dos meus pais e da minha irmã era, sem dúvida, a prioridade e motivo de orgulho. Confesso-vos, o que mais me custava era ser invisível. Quem perde tempo a saudar o/a jovem tuga do aspirador e dos sacos de lixo? “Sentes que quando és das limpezas te tornas invisível em relação às outras pessoas.” (Rita Pereira Carvalho, In As Invisíveis: Histórias sobre o trabalho de limpeza”, FFMS, 2022). Pior, só mesmo alguém atirar os papéis para fora do balde do lixo quando este estava vazio. Recordei estes tempos, quando vi o 1.º episódio do documentário “Trabalho: o que fazemos o dia todo”, realizado por Cardine Suh e comentado por Barack Obama. O antigo presidente dos Estados Unidos da América encontrou no livro “Working Studs Terkel” o mote para perguntar a pessoas comuns como é o trabalho para elas.
Na era da inteligência artificial, do trabalho remoto, da desigualdade crescente, como encaram o trabalho os prestadores de serviços? O objetivo passou por ouvir a opinião de todos, começar por baixo e ir subindo, na cadeia de comando, até ao escritório do diretor. Foram escolhidas três indústrias muito diferentes: cuidados ao domicílio; entrega de comida ao domicílio e hotelaria. São três mulheres que dão o seu testemunho pessoal: Elba – empregada de limpeza num hotel; Randi – auxiliar de cuidados no domicílio – e Carmen – estafeta de entregas da Uber Eats. Elba diz que aquilo que mais lhe custa é “Andar pelos corredores, dizer bom dia e não obter resposta”; Carmen diz que o seu trabalho “é invisível” e Randi considera-se “muito mal paga”.
Escolhi analisar com mais detalhe o caso da auxiliar de cuidados ao domicílio. Randi sente-se, muitas vezes cansada (tem que trabalhar muito e cuidar da sua filha sozinha, é mãe solteira) mas sente-se bem no desempenho das suas funções:
“Quero acordar todos os dias com um propósito. Quero ajudar os outros.”
“Não sinto que seja um trabalho.”
“Um dia, quando chegar a minha vez (de ser cuidada) … Temos de pensar como queremos ser tratados.”
“Entrei nisto para ajudar as pessoas, é gratificante.”
Na narração do episódio, Obama questiona – “O que faz um trabalho ser bom? É o salário? O horário? A estabilidade?” – e conclui “É tudo isto e, acima de tudo, sentirmos que o nosso trabalho é visto e valorizado.”
Nos últimos meses, tenho estado envolvido em projetos de formação. Quando falo com auxiliares de ação direta, especialmente quando trabalham nas Estruturas Residenciais para Pessoas Idosas (ERPI), referem, recorrentemente, a dureza (física e psicológica) das suas funções, inversamente proporcional à remuneração que auferem. Mas, aquilo que mais valorizam é o reconhecimento do seu trabalho, pelas pessoas cuidadas, famílias, pares, chefias e dirigentes.
Também no nosso país, estas (em regra são mulheres) profissionais do cuidado, são socialmente pouco valorizadas, como já referi em artigos anteriores. São cada vez mais escassas as opções de recrutamento para o “cuidatoriado” …
“Como sociedade nós é que decidimos como vai ser com os trabalhadores. Podemos melhorar ou piorar esses trabalhos. Podemos dar às pessoas mais ou menos dignidade. São escolhas que fazemos. As pessoas querem sentir-se satisfeitas no seu trabalho. Pagar as contas não chega. Preocupo-me com a próxima geração.” (Barack Obama)
José Carreira
Comentários recentes