Novo movimento criado no Brasil busca mais respeito aos idosos e combate ao idadismo, a discriminação baseada na idade.
Essa é uma história que já tem conquistas e só se amplia. Tudo começou em 2019, com uma decisão da Assembleia Mundial da Saúde. Nem a sociedade civil nem o mundo acadêmico se deram conta, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS) estava propondo, na revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID), substituir o criticado código “senilidade” por “velhice”. Mas a emenda saiu pior que o que o soneto.
A CID é de fundamental importância. Intervenções médicas, alta hospitalares ou atestados de óbito requerem um código. Sem isso, estatísticas não podem ser acumuladas. Ocorre que, ao adotar um código como “velhice”, deixaríamos de saber do que as pessoas idosas estavam sofrendo ou mesmo morrendo.
Não só. O estigma criado teria um impacto devastador para a autoestima do grupo populacional que mais cresce mundo afora, levando a um tsunami de idadismo, o preconceito com base na idade da pessoa.
Foi a morte do Duque de Edimburgo, em abril de 2021, que chamou atenção para a proposta da OMS. O médico real colocou como causa de morte “velhice”, muito embora o marido da rainha da Inglaterra tivesse um problema cardíaco grave há anos. Se um médico tão bem informado o fizera, imagine o que outros viriam a fazer por ignorância, desinteresse ou preconceito.
A nova CID entraria em vigor no início de 2022. Tínhamos pouco tempo para tentar reverter a desastrosa decisão da OMS. Assim que soubemos, um grupo de acadêmicos e representantes da sociedade civil se articulou para mover uma objeção.
De todos os países, o movimento mais ardoroso foi o do Brasil. Um marco histórico foi um painel de discussão organizado pelo canal O Que Rola na Geronto do qual participamos eu e o presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). Ali definimos a estratégia a seguir. Articulamos a adesão de múltiplas organizações da sociedade civil e da comunidade acadêmica mundo afora.
A tarefa parecia impossível. Mas perseveramos e, no final de dezembro, a OMS voltou atrás, retirando “velhice” da CID. Celebramos muito! Velhice não seria interpretada como sinônimo de doença ou problema de saúde.
A luta não poderia parar aí. A própria pandemia havia deflorado o que já sabíamos. O idadismo é prevalente e arraigado. A conquista e a defesa dos direitos das pessoas idosas, indispensáveis.
Havíamos consolidado um movimento único, determinado e competente. Precisávamos canalizar a energia e o capital conquistados. Assim, lançamos o movimento Velhices Cidadãs através de uma declaração dirigida ao povo brasileiro e de uma carta de princípios e reivindicações encaminhada aos candidatos de todos os partidos que irão concorrer nas eleições de outubro.
Nossa causa é intergeracional. Os direitos das pessoas idosas são também os dos jovens que aspiram envelhecer. Nada é tão premente neste século. E o desfecho será definido por nossa capacidade de responder ao desafio do envelhecimento ativo, com dignidade, mundo afora.
Alexandre Kalache
Médico e gerontólogo, presidente do ILC-Brazil (Centro Internacional de Longevidade Brasil) e liderança no Coletivo Velhices Cidadãs
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