Artigo

Vidas idosas importam

Pandemia afeta idosos de três formas, a vulnerabilidade, o desemprego e o preconceito

Ana Amélia Camarano

Demógrafa e economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e membro do conselho do Centro Internacional de Longevidade (ILC) no Brasil

Em memória dos mais de 115 mil idosos mortos precocemente pela pandemia da Covid-19

No Brasil, a universalização da seguridade social, estabelecida na Constituição de 1988, tem sido capaz de diminuir a pobreza entre os idosos, beneficiando também os não idosos.

Cumpre uma função de proteção social moderna, permitindo no âmbito da família e da sociedade, uma valorização das pessoas idosas. Essas, com a renda obtida pela seguridade social, assumem uma salvaguarda de subsistência familiar, invertendo o papel social de dependentes para provedoras.

Isso ocorre também porque a família de idosos não é um ninho vazio. De acordo com a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2019, dos 72,6 milhões de domicílios brasileiros 35% tinham pelo menos um idoso residindo.

Nesses domicílios, moravam 65,3 milhões de pessoas das quais 30,9 milhões eram não idosas, 19,2% e 12,8% de adultos e crianças, respectivamente. Entre os não idosos, 16,9 milhões não trabalhavam. Os idosos contribuíam com 70,6% do orçamento desses domicílios.

pandemia da Covid-19 está trazendo consequências devastadoras em termos de perdas de vidas humanas e de emprego, afetando as famílias de várias formas. Uma delas é a diminuição da renda de seus membros, seja pela morte ou pela perda de emprego num momento de difícil acesso a um trabalho remunerado.

A Pnad Covid-19 de maio de 2020 revelou uma redução de 18% nos rendimentos médios dos trabalhadores brasileiros, o que tornou o orçamento das famílias mais dependente da seguridade social, que provê uma renda mensal vitalícia e beneficia 73,6% dos idosos. Reforçou, assim, a importância deles no sustento das famílias brasileiras.

No caso da morte de um idoso, pode-se esperar, em média, uma redução na renda mensal per capita domiciliar de cerca de 30%.

No entanto, os idosos são triplamente afetados pela pandemia: 76% dos óbitos pela Covid-19 ocorreram entre eles, o que já levou a uma redução no tempo médio a ser vivido por todos os idosos de 1,4 ano.
Em relação ao emprego, foram os que mais sentiram a sua perda: 600 mil deixaram de trabalhar ou procurar trabalho, e 605 mil perderam o emprego, mas continuam procurando trabalho.

O preconceito contra eles aumentou. São agora vistos como vulneráveis e mais suscetíveis a isolamento, o que é reforçado pela denominação “grupo de risco”. Essas são faces da pandemia, que afetam a renda das famílias e destacam o papel dos idosos e das políticas públicas, em especial da seguridade social: previdência, assistência e saúde.

Outras pandemias virão. Espera-se que, ao terminar a atual, diante da questão de selecionar as pessoas mais relevantes para compor a sociedade (na escolha, por exemplo, de ocupação de leitos das UTIs), que se considere que vidas idosas também importam.

 

COMO CHEGAR BEM AOS 100

FOTO DE CAPA: Quatro gerações de mulheres da família Ultramar celebram o Dia dos Avós no bairro de Paraisópolis, em São Paulo, evitando a aproximação física devido à pandemia – Eduardo Knapp – 20.jul.2020/Folhapress

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