Artigo

Vivemos um surto de ageísmo sem precedentes

Anita Liberalesso Neri

Professora titular do departamento de psicologia médica e psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp e ponto focal do Centro Internacional da Longevidade (ILC) no Brasil para etarismo.

Ageísmo ou etarismo são termos relativamente novos, mas o fenômeno é tão antigo quanto os conflitos de interesses entre jovens e velhos, em torno de poder, prestígio e bens materiais.

Em todos os tempos e latitudes, em ocasiões de crise, privação e perigo iminente, os adultos não hesitam em dar prioridade às crianças e aos jovens porque são a esperança de continuidade do grupo.

Só depois, se possível, tratam de proteger e carregar consigo os idosos. Com o tempo, a aceitação desse imperativo passou a integrar os atributos esperadas nos idosos.

Em função do ageísmo, idosos recebem tratamento diferencial e têm acesso desigual a oportunidades e a direitos sociais, com base no critério de idade e na falsa crença em que todos os velhos são frágeis, desamparados, lentos, dependentes e improdutivos, um peso para a sociedade.

Uma variante da intolerância, o ageísmo é intensificado pela pobreza, pela desigualdade social, pelo baixo nível educacional, pelo gênero e pela cor da pele de boa parte dos idosos.

É potencializado pela tendência de negar a velhice porque nos lembra da morte, mas sobretudo da dependência, da perda de identidade, e da invisibilidade que muitas vezes acompanham o envelhecimento.

O ageísmo é internalizado pelos idosos, que aceitam como naturais os tratamentos discriminatórios, desrespeitosos, paternalistas, compassivos ou falsamente positivos que recebem das leis, das instituições sociais, dos serviços públicos e privados, dos meios simbólicos e das redes sociais.

Com a pandemia Covid-19, estamos vivendo um surto de ageísmo, que acentua a divisão entre jovens e velhos e culpabiliza estes últimos por onerar o sistema de saúde e desviar recursos do atendimento aos jovens e produtivos.

A pandemia está suscitando questões éticas do direito à vida, da legitimidade da destinação de ajuda aos idosos, da necessidade de fazer escolhas com relação a quem deve viver e quem deve morrer, e da priorização da vida ou da economia.

O ageísmo intensifica o envolvimento emocional e a polarização de opiniões com relação dilemas éticos. Ajuda a gerar discursos de ódio e escárnio e alimenta a permanente confusão e a premeditada crise geradas por líderes políticos que desorientam a população, menosprezam a ciência e não demonstram a menor empatia ou compaixão pelo destino das pessoas, em especial os idosos.

O que está acontecendo pode ter consequências duradouras para as atitudes em relação aos idosos, que no futuro poderão ser ainda mais prejudicados por políticas e práticas sociais discriminatórias.

cultura do cuidado, da solidariedade intergeracional e da velhice estão em risco, é uma boa hora para debater essas questões, influenciar o discurso público e modificar as práticas sociais em relação à velhice.

FOTO DE CAPA: Idoso caminha em rua da pequena cidade de Cambará do Sul (RS) – Eduardo Knapp – 27.mai.2016/Folhapress

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