Celebra-se no dia 10 de outubro o Dia Mundial da Saúde Mental, instituído em 1992 pela World Federation of Mental Health. Esta data constitui uma oportunidade para refletir sobre a forma como Portugal tem abordado — ou negligenciado — a saúde mental das pessoas idosas institucionalizadas.
Apesar dos avanços discursivos e da crescente visibilidade mediática do tema, a prática quotidiana nos lares de idosos revela uma profunda assimetria entre o que se proclama e o que se concretiza.
O Estado português tem falhado sistematicamente na integração efetiva da saúde mental no modelo de cuidados de longa duração.
Nos lares de idosos — maioritariamente geridos por Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS) — o acompanhamento psicológico é inexistente. As equipas técnicas estão centradas em tarefas de gestão administrativa, e cuidados básicos, com poucos recursos para assegurar intervenções terapêuticas ou de prevenção emocional.
O resultado é uma rede de cuidados que, embora assegure a sobrevivência física dos residentes, desvaloriza o bem-estar psíquico, a autonomia emocional e a dignidade relacional de quem envelhece em instituições.
É neste contexto que emerge o que poderíamos designar por “Terapia do Joelho” — uma metáfora dura, mas real. Nas salas comuns dos lares, é frequente ver idosos sentados em cadeiras de rodas, com o tronco inclinado e o olhar fixo nos próprios joelhos. Esta imagem, silenciosa e repetida, traduz a ausência de estímulo, de projeto e de relação.
Representa a consequência mais visível da falta de acompanhamento psicológico e de atividades significativas: um envelhecimento passivo, onde o corpo permanece presente, mas a mente se desliga.
A “Terapia do Joelho” é, assim, a terapia involuntária da inércia — o efeito cumulativo da desatenção, da rotina e da falta de investimento na saúde mental institucional.
As sucessivas revisões da legislação que regula o funcionamento dos lares — desde o Manual de Qualidade da Segurança Social (2007) até à Portaria n.º 67/2012 e, mais recentemente, à Portaria n.º 349/2023 — continuam a tratar a saúde mental como um apêndice técnico e não como um eixo estruturante da qualidade dos cuidados para as pessoas idosas.
A referência a psicólogos é facultativa, sem obrigatoriedade de presença regular nem de planos individualizados de acompanhamento psicológico. Tal lacuna normativa perpetua um modelo assistencialista e institucional que vê a mente idosa como um corpo passivo, e não como um sujeito com história, afetos e medos.
As consequências desta omissão são graves e mensuráveis. Estudos internacionais e nacionais indicam que a ausência de apoio psicológico nos contextos institucionais está associada a maiores níveis de depressão, ansiedade, apatia e isolamento social entre os residentes.
Em Portugal, dados da Direção-Geral da Saúde (DGS) e da Organização Mundial da Saúde (OMS) apontam para um crescimento acentuado dos casos de demência, sendo a Doença de Alzheimer a forma mais prevalente. A prevalência da demência deverá duplicar até 2050, num país que já hoje apresenta uma das populações mais envelhecidas da Europa.
Este aumento da demência, aliado à não obrigatoriedade dos lares de idosos integrarem no quadro de pessoal a categoria de psicólogo, traduz-se num agravamento do sofrimento emocional não reconhecido.
Muitos idosos vivem em silêncio, sem espaço para expressar o luto, a solidão ou o medo do esquecimento. A ausência de programas estruturados de estimulação cognitiva, acompanhamento psicoterapêutico e apoio às famílias reforça um ciclo de desumanização institucional que contraria as orientações da Estratégia Europeia dos Cuidados de Longa Duração 2030, centrada na dignidade, qualidade e bem-estar emocional.
Assinalar o Dia Mundial da Saúde Mental exige, por isso, mais do que campanhas simbólicas. Implica repensar o modelo de cuidados, reconhecendo a saúde mental como direito e não privilégio, e integrando o acompanhamento psicológico como parte essencial da vida nos lares de idosos.
Sem esta mudança estrutural, continuaremos a ter instituições que cuidam de corpos — mas deixam os olhos dos seus residentes presos aos joelhos.
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Paulo Lourenço
PhD (USC) in Regional Development and Economic Integration Researcher in Social Gerontology Specialist in informal care, gerontological planning, social impact analysis, and quality in dignified care
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