Esta época em que fomos assolados por uma situação pandémica, trouxe diversas alterações na vida da população portuguesa. Os mais velhos não foram poupados e, por serem uma população de risco, com diversas comorbilidades, são os que permanecem mais confinados e isolados. Este isolamento, embora os proteja, priva-os de manterem as suas relações sociais, de interagirem com os outros, de terem atividades diversificadas, como saírem para realizar as suas tarefas ou fazer exercício físico ao ar livre, de entre muitas outras coisas. Esta privação ocupacional, que os impede de realizar as atividades que para eles são mais importantes e têm significado, pode conduzir a situações de depressão, perda de competências motoras e cognitivas.
Pelo processo natural do envelhecimento, a perda das competências cognitivas, a par com as competências motoras, são as mais afetadas. Associada a esta questão, sabemos que as síndromes demenciais são, hoje em dia, muito frequentes, devido ao aumento da esperança média de vida. As questões relacionadas com uma baixa literacia da população mais velha também não ajudam. Desta forma, é frequente a população portuguesa mais velha, apresentar, de modo geral, dificuldades de memória, cálculo, raciocínio, atenção e concentração.
O isolamento social está a privar a população mais velha de exercitar as suas competências motoras e cognitivas, uma vez que estão privadas de realizar diversas atividades, como por exemplo, de ir às compras e consequentemente de escrever a lista de bens a adquirir, de usar o dinheiro, de verificar o troco, de fazer contas, de se deslocarem até à loja ou de conversarem com pessoas que encontram pelo caminho. Durante esta simples atividade – uma ida às compras – são várias as competências cognitivas, motoras e mesmo sociais que são exercitadas. Todas estas competências, que se perdem com este isolamento e inatividade, são difíceis de recuperar pois, todo o processo de envelhecimento está associado a este desuso forçado e condiciona a sua manutenção ou recuperação.
Nesta época de pandemia é essencial ter um olhar mais atento à população idosa de modo a minimizar as sequelas desta privação ocupacional. Este facto só será conseguido se tivermos uma ação concertada sob o ponto de vista da saúde. É urgente garantir que a população idosa recebe cuidados de saúde específicos e diferenciados, nomeadamente ao nível da Terapia Ocupacional, que possam colmatar esta privação ocupacional, com todas as limitações que a mesma acarreta.
A abordagem da Terapia Ocupacional, com a população idosa, pode ser diversificada dependendo do contexto onde estas pessoas estão inseridas, da sua cultura, experiência de vida, rotinas, hábitos e costumes. Durante a pandemia da COVID-19 vários foram os terapeutas ocupacionais que continuaram a intervir junto desta população, embora sem contacto direto e garantindo o cumprimento das diretrizes da Direção Geral da Saúde. A ausência deste contacto e proximidade não permite a implementação da abordagem habitual, tendo a mesma de ser adaptada. Também as estratégias utilizadas se ajustaram à realidade de cada um, seja do terapeuta, seja da pessoa idosa ou mesmo dos seus cuidadores.
É função do terapeuta ocupacional avaliar as competências da pessoa, do contexto onde esta se insere e das atividades que realiza. Com esta avaliação pretende perceber como é que a pessoa desenvolve, no seu dia a dia, as atividades e quais as dificuldades com que se depara para as realizar. Após esta avaliação irá adaptar as atividades ou o contexto, às necessidades da pessoa. A este nível, e devido às condicionantes da pandemia, a readaptação quer das atividades quer do contexto, também sofreu ajustes e alterações. Cumprir com as normas de segurança, com o distanciamento recomendado, com o facto de não ser conveniente tocarmos nos pertences da pessoa, no mobiliário, nos utensílios, condicionou toda a adaptação de contexto que habitualmente é implementada de modo a potenciar a participação da pessoa nas tarefas, garantindo todas as questões de segurança para a mesma, e minimizando o risco de quedas. A simples reorganização da cozinha, por exemplo, que é feita para que a pessoa chegue mais facilmente aos utensílios que usa com mais frequência, não realize esforços desnecessários ou movimentos repetitivos, ficou dificultada. Também a adaptação das atividades sofreu reestruturações. As atividades de grupo tiveram de ser suspensas ou efetuadas em grupos mais pequenos garantindo o distanciamento social. As atividades com contacto entre pares, ou mesmo com recurso a aplicação de técnicas que requerem o contacto físico entre o terapeuta ocupacional e a pessoa, não puderam ser desenvolvidas. Os equipamentos usados durante a intervenção por parte do terapeuta ocupacional têm de ser desinfetados, após cada utilização e, alguns deles, deixaram de poder ser utilizados por risco de serem danificados durante este processo. O uso de fatos de proteção, de máscaras ou de viseiras, associado à falta de audição que muitas das pessoas idosas têm, foi um obstáculo e desfio à comunicação, dificultando a interpretação das expressões faciais, a discriminação auditiva e consequente perceção da mensagem transmitida.
Trabalhar a partir de casa também foi uma realidade e um dos desafios colocados aos terapeutas ocupacionais. Trabalhar sem tocar na pessoa, sem a ver, sem perceber as suas expressões faciais, o seu estado de humor, nunca foi o habitual na abordagem que desenvolvemos. Contudo, nesta fase de pandemia, muitos foram os terapeutas ocupacionais que trabalharam com distanciamento, através de chamada telefónica ou vídeo chamada. Neste modelo, continuámos a contribuir para a manutenção das rotinas das pessoas idosas, mesmo não podendo estar pessoalmente com elas, tendo de intervir á distância. A Terapia Ocupacional tem sempre, como boa prática, o envolvimento dos familiares ou cuidadores, no processo terapêutico. Agora, mais do que nunca, este é essencial. O familiar ou cuidador passa a ter o papel de coterapeuta sendo por vezes as mãos e os olhos que o terapeuta necessita ter em contexto real. Aqui foi essencial que todos falássemos a mesma linguagem, que tivéssemos os mesmos objetivos e que trabalhássemos em prol da pessoa, da sua saúde e qualidade de vida.
A manutenção do contacto permanente com a equipa dando feedback deste acompanhamento aos restantes profissionais, e alertando para alterações de comportamento que surgissem, foi uma constante. Por outro lado, o envio de informação sobre a pandemia e como manter a pessoa idosa em segurança, foi de extrema importância para tranquilizar e dar confiança aos familiares e cuidadores.
Organizar rotinas de forma a que a pessoa mantenha as suas atividades de vida diária e o horário das mesmas, promover a atividade física, assegurar a estimulação cognitiva e encontrar forma de realizar atividades de lazer que sejam significativas, foi uma constante.
E agora? Com o retomar gradual às rotinas, o que vai mudar?
Agora, gradualmente, teremos de readaptar, de ser imaginativos, de ser proativos e garantir que não vamos deixar de intervir com esta população que sofre, de forma visível com a situação de pandemia, que perde dia a dia as suas competências, a sua saúde e qualidade de vida. Agora, temos de assegurar que os idosos não ficam esquecidos nem mais isolados do que é habitual. Agora, já não podemos abraçar e cumprimentar os nossos idosos que tanto gostam do contacto físico, do toque, do carinho, … O sorriso, que tanto os conforta, vai ficar atrás da máscara e só com o olhar os podemos tocar.
Elisabete Roldão
Joana Cristina Pinto
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