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Entrevista a Inês Rioto autora do livro “Morar 60 Mais”

Conversámos com Inês Rioto: professora, escritora, palestrante e pesquisadora especialista em envelhecimento e moradia, inclusive lançou recentemente o livro “Morar 60 Mais”.

Inês Rioto

 

O Brasil contabiliza 609.112 óbitos e 21.861.282 casos de coronavírus desde o início da pandemia, segundo balanço do consórcio de veículos de imprensa com dados das secretarias de Saúde. O que tem falhado na resposta à pandemia?

Falando objetivamente, o negacionismo, o desrespeito a ciência, a falta de transparência dos   dados, o Ministério da Saúde ter demorado na compra das vacinas, além da  falta de diretrizes para cidades, ao contrário disseminaram fake news, afirmando no início da pandemia, que afetaria só as pessoas idosas e incentivaram o uso de medicamentos ineficazes contra a Covid. Só não foi pior porque temos o SUS (Sistema Único de Saúde ). A grande maioria da população não tem convênio médico e  custo destes convênios para  o público idoso é muito alto. O governo demonstrou total falta de empatia e respeito para com a população.

 

A pandemia no Brasil  transformou-se numa sindemia, a convergência da crise sanitária com as crises social, económica, alimentar, entre outras, contribuindo para aprofundar a desigualdade. Como se envelhece num país tão desigual como o Brasil?

Uma parte da população envelhece com grande dificuldade. O Brasil é um país continental, as desigualdades sempre existiram em vários aspectos, por exemplo, quem vive nas regiões Norte e Nordeste tem uma expectativa de vida 12% a menos dos que vivem nas regiões Sul e Sudeste. Mas podemos verificar essa diferença dentro de uma cidade, uma das maiores favelas de São Paulo a Paraisópolis faz divisa com o bairro mais rico da cidade, divididos pelo muro de um prédio onde cada apartamento tem na sacada sua própria piscina. No Rio de Janeiro bairros nobres fazem divisas com complexos de favelas. Nesse dois casos a  diferença de expectativa de vida chegava a 20 anos, antes da pandemia.

Um estudo apresentado em outubro sobre a cidade de São Paulo demonstra quem mora em área nobre da cidade vive 23 anos a mais do que quem mora na periferia .A pandemia diminuiu em média a expectativa de vida da população brasileira em 3 anos , porém para os ricos diminuiu um ano, para os menos favorecidos em até 4 anos.

Famílias em que os idosos morreram , além a dor da perda, perderem o poder aquisitivo, pois a aposentadoria deste idoso era parte importante da renda familiar e para muitas famílias era a única renda.

Foram muitas as mortes  em  Instituições de Longa Permanência de Idosos e o número de pessoas idosas em situação de rua aumentou consideravelmente.

Mas o povo brasileiro é resiliente, trabalhador, muitos foram para economia informal, nota se que cada vez mais a busca pelos direitos, é um povo movido a fé, esperança e solidariedade.

 

Pode explicar-nos quais são os objetivos do Conselho Municipal da Pessoa Idosa e as atividades que desenvolvem?

Os Conselhos Municipais seguem a orientação do Conselho Nacional e Conselho Estadual da Pessoa Idosa, todos são deliberativos, cada cidade cria o próprio Regimento Interno, que define suas atribuições, em geral : propor, deliberar diretrizes, avaliar e acompanhar a implementação da Política Municipal da Pessoa Idosa em consonância com a Política Nacional do Idoso e do Estatuto do Idoso. Acompanhar, avaliar e fiscalizar a qualidade dos serviços prestados aos idosos no município. Acompanhar as denúncias de violência e cerceamento de direitos junto a outros órgãos de proteção.  Participar, colaborar na elaboração das  conferências  referentes ao público idoso. Gerenciar o Fundo Municipal do Idoso. O Estado de São Paulo é o estado que tem o maior número de cidades com Conselhos Municipais e Fundo Municipal do Idoso. Lembrando que no Brasil idoso é a partir dos 60 anos.   https://portal.seds.sp.gov.br/cei/municipios  ( Portal do Conselho Estadual do Idoso  de São Paulo)  Fui presidente do Conselho Municipal do Idoso de Santo André e por 4 anos, conselheira do Conselho Estadual do Idoso de São Paulo.

 

Portugal não tem legislação específica relativamente às pessoas idosas. No Brasil existe o Estatuto do Idoso. Quais são as mais valias do estatuto no quotidiano das pessoas mais velhas?

Realmente o Brasil tem um dos mais completos instrumentos de proteção de direitos as pessoas idosas, mas que infelizmente não é executado em sua totalidade. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/l10.741.htm   ( Estatuto do Idoso )

Creio que no dia a dia, as pessoas idosas se valem do Estatuto do Idoso, em denúncias sobre violência, muitas acontecem em seus próprios lares e na área da saúde, no desrespeito, em relação ao idadismo.

Embora no Brasil seja considerado idoso a partir 60 anos, no transporte público a gratuidade é a partir dos 65 anos. Algumas cidades mantém a gratuidade dentro do município a partir dos 60 anos, mas são raras. Ônibus, trens, metrô possuem assentos preferenciais . A facilidade de  desconto de 50% nas  entradas de teatro, cinema, na área da cultura e lazer em geral.

As pessoas mais velhas deveriam no quotidiano se valer de todos os aspectos que o Estatuto do Idoso abrange, mas estamos longe disso, para uma lei ter ação efetiva é necessário que a população se aproprie, não basta ter conhecimento da sua existência, mas sim de seu conteúdo. Após tantos anos muitas pessoas não sabem da existência do Estatuto do Idoso e muitas não conhecem seus direitos.

 

Recentemente foi publicado o livro “Morar 60 Mais: Revolucionando a moradia em face da longevidade”. Como surgiu a ideia de organizar esta obra?

Após me aposentar e com tias longevas que moravam sozinhas e não sabiam muito dos seus direitos, percebi que deveria me inteirar mais sobre o envelhecimento, comecei a estudar o assunto. Observei, que nos cursos, seminários, fóruns, falavam sobre saúde, atividades físicas, culturais, turismo, mas não se falava sobre moradia.

Participando de um seminário, em que Dr. Kalache iniciava a palestra fazendo a pergunta :

– Onde vocês estarão aos 80 anos ?

Observei que a maioria respondia, viajando, comemorando com a família e alguns disseram no asilo. Portando em relação ao morar, apenas foram citadas duas alternativas, ou se morava com a família ou em asilos (Instituição de Longa Permanência para Idosos)

Tomei a decisão de pesquisar, comecei a descobrir outras alternativas de moradias.

Conversando com Prof. Kalache sobre a ideia de escrever o livro, ele me incentivou e disse que faria o prefácio, que foi uma honra. Foi um privilégio que os mais renomados profissionais da área do envelhecimento no Brasil e de outros quatro países aceitassem o convite para escrever.  Eu queria que o livro tivesse um olhar além da minha visão sobre moradia, convidei da área acadêmica  Profa. Dra. Áurea Soares Barroso e da área empresarial Edgard Viana, que aceitaram e juntos organizamos o Morar 60 Mais.

 

Quais são as principais tendências de moradias para as pessoas com 60 + anos?

Quero lembrar que “Moradia não é só um teto, abriga, protege, interfere na saúde, local em que se vivencia emoções, se constrói lembranças…é onde a vida acontece”.

Sabemos que o envelhecimento é heterogêneo e hoje temos vários formatos de famílias, portanto moradias diferentes para cada família e para cada estilo de vida. Em palestras, reuniões em grupos de convivência de idosos, ouço muitos dizerem que gostariam de continuar morando na mesma casa, bairro, porque conhecem o comércio local, conhecem os vizinhos, se sentem mais seguros, porém reclamam que as casas necessitam de reformas. Creio que se houvessem programas, incentivos para estas reformas ajudaria não só a permanecerem no local, mas poderiam compartilhar a casa, o chamado “coliving”, dividindo os gastos como  água, luz e outros. Assim evitariam o isolamento e a depressão. Um exemplo que está no livro Morar 60 Mais, é um programa muitíssimo bem estruturado da Fundación Pilares de Madri, o “Hogar y Café”.

A procura por condomínios também é grande, o fator principal alegado é a segurança. A pesquisa feita no site  https://www.morar60mais.com.br/  aponta que grande porcentagem de pessoas  idosas desejam morar em condomínios predominantemente de idosos enquanto outros preferem condomínios intergeracionais.

No Brasil temos alguns condomínios construídos por governo de alguns estados, através políticas públicas habitacionais. No estado de São Paulo criado por lei em 2009,mas efetivamente construídos a partir de 2011, temos atualmente 25 vilas entre “Vila Dignidade e Vida Longa”, tendo em média 25 casas , para idosos que recebem até dois salários-mínimos.

Na Paraíba teve início em  2014, o programa“ Cidade Madura” atualmente são 6 Condomínios, cada um com 40 casas. O estado do Paraná em 2019 inaugurou o primeiro Condomínio o “Viver Mais” com 40 casas. Nestes dois estados os condomínios são voltados para as pessoas idosas que recebem até cinco salários-mínimos.

Portanto compartilhar a moradia e morar em condomínios, públicos ou particulares, tem sido o desejo das pessoas idosas.

No livro há bons exemplos de iniciativas internacionais. Quer destacar alguma, sem desprimor para as outras, e explicar porquê?    

Sim, Programa Aconchego do Porto, até a chamada é assertiva “Quem estuda tem casa. Quem tem casa tem companhia”. Programa Aconchego tão bem detalhado no livro Morar 60 Mais , pela própria equipe que  acompanha o programa, me chamou atenção a maneira em que foi idealizado e executado. Acho genial, com objetivo específico de contribuir para a solução simultânea do problema de solidão das pessoas idosas e de alojamento de jovens universitários. Tenho conhecimento que está presente em várias cidades de Portugal, com outros nomes, mas com a mesma função e também em outros países da Europa.

O que falta fazer para que tenhamos uma Cidade / Sociedade Para Todas as Idades?

Posso citar a iniciativa implementada pelo Centro Internacional de Longevidade Brasil – ILC Br, o projeto Cidade para Todas as Idades, baseado no conceito amplo do envelhecimento ativo, propõe reunir parceiros de diversos setores, poder público, empresários, Universidade e o Conselho Municipal da Pessoa Idosa,  juntos  após avaliar a cidade, traçam metas e estratégias.

O projeto se inicia com grupos focais, escutando as pessoas idosas, como diz Prof. Kalache: “Nada para nós, sem nós”, ou seja, nada  para a pessoa idosa, sem antes ouvi la, porque se for acessível a este público, será para todos.  Se Instituições de Longa Permanência para Idosos, condomínios, casas, tivessem acessibilidade, a mais alta tecnologia, segurança e boa qualidade de vida para as pessoas idosas, se o entorno, o bairro e a cidade NÃO estiverem integrados nesta metodologia, as pessoas viveriam apenas em uma ilha de bem-estar.

A metodologia usada pelo ILC Br em três cidades brasileiras estão detalhadas no livro Morar 60 Mais.

As pessoas idosas estão muitas vezes sozinhas com todas as consequências negativas que advêm dessa condição. Até que ponto a Habitação Colaborativa / CoHousing poderá ser uma opção de presente e futuro para um mundo que envelhece rapidamente?

Cohousing é um estilo de vida que surgiu na Dinamarca e espalhou pelo mundo. É uma comunidade intencional, onde um grupo de pessoas decidem morar juntas, geralmente a maior parte já se conhecem ,tem interesses comuns e juntos definem a compra de terreno, a estrutura física, as áreas a serem compartilhadas. Cada um em sua casa mantendo a privacidade, com áreas comuns de maneira cooperativa. O mais importante em um Cohousing são as relações entre as pessoas porque as decisões são tomadas em conjunto.

Cohousing senior, mantém as mesmas características, mas há um determinante de idade. Em relação ao viverem sozinhos e que leva muitos a depressão, sim ajudaria . Mas existem outras questões a serem pensadas. Os especialista em envelhecimento, questionam, se este grupo ao envelhecerem juntos, tendo cada um atribuições, tarefas e o compartilhamento nos gastos de áreas comuns, das próprias casa, além do  aumento de gastos pessoais comum com o avançar da idade teriam como se sustentar. Sabemos que com o tempo o poder aquisitivo diminui, e em caso de demência estariam preparados financeiramente para mudarem para uma Instituição de Longa Permanência para Idosos?

Por isso, sempre que alguém pergunta sobre Cohousing, é indicado que leia a respeito, que vá conhecer pessoalmente um, que avalie suas condições financeiras e tenha uma boa relação com as pessoas idosas com quem vai compartilhar o dia a dia ,antes de tomar a decisão e assumir esse compromisso,  porque geralmente é para vida toda.

 

 Como professora e investigadora, pode dizer-nos que papel poderão ter as escolas e a educação no combate ao idadismo que afeta grande parte da população mundial, como refere o relatório da OMS sobre o idadismo?

Posso afirmar que não será por “força de lei” que acontecerá. Veja o exemplo do Brasil ,na lei nº 10.741/2003 – Estatuto do Idoso no:

“Art. 22. Nos currículos mínimos dos diversos níveis de ensino formal serão inseridos conteúdos voltados ao processo de envelhecimento, ao respeito e à valorização do idoso, de forma a eliminar o preconceito e a produzir conhecimentos sobre a matéria”.

Embora esteja na lei, não há programas educacionais em âmbito Nacional. Estadual ou Municipal, não tem disciplinas que obrigatoriamente mencione o envelhecimento, são raras as atividades intergeracionais. Quando trabalhei na Prefeitura de Santo André em 2011, tentei sem sucesso, criar um Centro dia do Idoso, em um grande prédio de uma escola que o governo do Estado de São Paulo passou a administração para o município de Santo André, tinha todas as condições, necessárias para funcionamento das duas unidades separadas e espaço para momentos de interação entre crianças e pessoas idosas. Acharam improvável, incompatível um espaço intergeracional.

Nas pesquisas que fiz em escolas, ainda continua o paradigma de como é o idoso. Ao descreverem, desenharem, como é um o idoso e onde mora, a grande maioria respondeu:

  • É o velho torto, enrugado, cabelo branco ou sem cabelo, usa bengala e mora em asilo ( antigo nome das Instituições de Longa Permanência de Idosos. – ILPI )
  • É só com a convivência que conseguiremos mudar esse paradigma de “como é o velho e onde mora”, e desenvolver o respeito e admiração .
  • Em Fátima, há a “Aldeia Intergeracional” onde vivem idosos, no local, são desenvolvidos projetos de carácter educativo e cultural com crianças e jovens.
  • Nos EUA e em vários países da Europa, além da construção de creches próximas as Instituições de Longa Permanência de Idosos , há programas de férias intergeracionais.
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