Abismo entre ricos e pobres cria sociedades menos coesas e produtivas e mais violentas e angustiadas
Quem sustentará um país que em breve terá mais avós que netos? Como envelhecerão os jovens de hoje que nem estudam nem trabalham? Terão eles condições de cuidar de seus pais?
O número de desempregados e desalentados atingiu níveis recordes mesmo antes da pandemia —e continua aumentando. Trabalho precário, no setor informal, sem proteção social, condena milhões de cidadãos com 50 anos ou mais à vulnerabilidade, com chance remota de volta ao mercado de trabalho formal.
No ranking da desigualdade, sempre estivemos entre as dez piores colocações. No final de 2019, a desigualdade por renda havia crescido pelo 19º trimestre consecutivo. A pandemia só tem feito aumentar o golfo que separa os que estão no topo da pirâmide daqueles que integram a base inchada, mesmo levando em consideração o auxílio dado pelo governo —por definição, emergencial.
Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), observou que entre 2014 e 2019 a renda da metade mais pobre da população diminuiu 17,1%, enquanto a do 1% mais rica aumentou em 10,1%. Isso num contexto em que os 5% de brasileiros no topo da pirâmide acumulam bens equivalentes aos demais 95%. No entanto, a pandemia não impediu um aumento do número de bilionários no país.
Enquanto outros países começam a ver os frutos da 4ª Revolução Industrial, milhões de brasileiros ainda não se beneficiaram das inovações das três primeiras: domínio da energia, produção em massa e digitalização. Podem até ter um smartphone na mão, mas os pés estão no esgoto, inexistente para mais da metade da população.
É como se o que o escritor Stefan Zweig proclamou há décadas, “Brasil, o País do Futuro”, pareça-se mais com um país do passado.
Nossa produção industrial em 2020 não chegou a 10% do PIB (Produto Interno Bruto), a menor fatia desde 1947. O abismo da exclusão digital tem crescido durante a pandemia. Dados do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) mostram que 55% dos filhos de pais sem instrução não têm acesso à internet, comparados a 4,9% daqueles cujos pais têm instrução superior.
Como competir uns com outros se o ensino passou a ser essencialmente virtual? Não é à toa que a abstenção no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tenha sido superior a 50%. Para que tentar se você se sente tão despreparado?
A Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o clube dos países ricos, publicou em 2017 o relatório “Prevenir o Envelhecimento Desigual”. Não preveni-lo prejudica tanto pobres quanto ricos. Não só a economia se torna insustentável como aumenta a incidência de doenças que poderiam ser prevenidas, assim como o nível de ansiedade e estresse, com consequências negativas para a saúde de todos, física e mental.
Sociedades menos desiguais são mais coesas e produtivas e menos violentas e angustiadas, além de apresentarem níveis muito mais baixos de disfunção social.
Os países desenvolvidos primeiro enriqueceram para depois envelhecerem. O Brasil está envelhecendo mais rapidamente do que eles, em um contexto de pobreza e intolerável desigualdade. À falta de políticas vigorosas e urgentes, corremos o risco de transformar a grande dádiva dos últimos cem anos —a longevidade— em uma crise irreversível.
Alexandre Kalache
FOTO DE CAPA: Em meio à pandemia, a pobreza é especialmente cruel com os idosos, apontados como principal grupo de risco da Covid-19 –
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