ARTIGO ORIGINALMENTE PUBLICADO NA REVISTA APTARE:
A incontinência urinária (IU) é definida como queixa de qualquer perda involuntária de urina. A condição ocorre em ambos os sexos, mas é mais comum em mulheres. Nos homens, ela ocorre frequentemente devido a aumento da próstata, lesões esfincterianas após prostatectomia radical ou radioterapia para o tratamento do câncer de próstata. Já nas mulheres, a IU está relacionada à disfunção vesical ou dos músculos do assoalho pélvico, em decorrência de gestações, partos e alterações funcionais e hormonais da menopausa.
Podemos classificar a IU em dois subtipos principais: incontinência urinária de esforço (IUE) e incontinência urinária de urgência (IUU). Segundo as definições da International Urogynecological Association (IUGA) e da International Continence Society (ICS), a IUE é a queixa de perda de urina associada à tosse, espirro ou esforço físico, enquanto a IUU é a perda urinária associada a um desejo repentino, urgente e inadiável de urinar. No caso de a pessoa ter os dois sintomas, classifica-se como incontinência urinária mista (IUM).1
Na IUE há dificuldade no mecanismo de continência por uma falha na pressão de fechamento uretral, tanto no repouso como nas situações em que ocorre um aumento da pressão intra-abdominal. Esse mecanismo de manutenção de pressão ocorre quando há integridade dos músculos do assoalho pélvico, da fáscia endopélvica e dos ligamentos relacionados aos órgãos pélvicos. Na falha de algum desses componentes pode haver escapes de urina.2
Na IUU a fisiopatologia está relacionada à bexiga, por uma hiperatividade ou baixa complacência do músculo detrusor ou por uma hipersensibilidade vesical. As causas dessas alterações podem ser neurológicas ou idiopáticas.3
Há ainda outros subtipos de IU, menos comuns do que os citados acima: incontinência postural (perda de urina com mudança de posição do corpo, como ao levantar-se ou inclinar-se); enurese noturna (perda de urina durante o sono); e incontinência coital (perda de urina durante a relação sexual).1
Para os idosos, utiliza-se muito a classificação incontinência funcional, que se refere à IU que ocorre não devido a disfunções do trato urinário inferior, mas sim devido a alguma deficiência física ou cognitiva, como comprometimentos na marcha ou demência, que limitam a mobilidade, dificultando o trajeto até o banheiro, ou interferem na capacidade de processar informações sobre o enchimento vesical.4
A IU tem alta prevalência em idosos, sendo maior entre mulheres. É uma condição que afeta de forma negativa a qualidade de vida, além de gerar custos altos, e seu impacto se faz sentir em diversas situações. Muitos idosos passam a se isolar, diminuindo sua participação em atividades culturais, sociais e viagens pelo medo de perder urina e molhar a roupa, pela preocupação em ter banheiros suficientes nos locais que eles frequentam ou mesmo pela ansiedade em relação às distâncias percorridas durante seus deslocamentos. Muitos criam o hábito de usar apenas roupas escuras, para disfarçar possíveis perdas. Outra situação constrangedora é a perda urinária durante as relações sexuais, que faz com que essas pessoas deixem de ter prazer ou evitem se relacionar. Quando se trata da questão econômica, o orçamento pode ser afetado, já que muitos precisarão de absorventes ou fraldas específicas para incontinência, medicamentos, além de consultas mais frequentes com os profissionais de saúde especializados.
Em relação aos dados epidemiológicos, há grande flutuação nas taxas de prevalência registradas na literatura referentes à IU em mulheres adultas (5-72%), com uma média de prevalência de aproximadamente 30%, levando em consideração todos os subtipos da condição.5 A significativa variação nas pesquisas se dá por subnotificações, especificidades culturais entre os países onde elas são feitas, além de diferentes características metodológicas nos estudos.6,7 Entre elas incluem-se o uso de múltiplas ferramentas para diagnóstico, como questionários distintos, por exemplo, e diversas formas de definir a IU.
No Brasil, um estudo feito na cidade de São Paulo encontrou prevalência de IU autorreferida de 11,8% entre homens e 26,2% entre mulheres – depressão, sexo feminino, idade avançada e limitação funcional foram fatores associados a maior prevalência.8 Em outro estudo, feito com 388 idosos atendidos pelo Programa de Saúde da Família em São Paulo, a prevalência de IU foi maior (38,4%), sendo mais comum nas mulheres (50%). Diabetes, hipertensão arterial e obesidade foram associados à IU. A IUM foi a queixa mais comum relatada pelas mulheres.9
Um fator que interfere negativamente no tratamento da IU feminina é o fato de as mulheres frequentemente não falarem – ou demorarem muito para falar – sobre a condição com profissionais de saúde que as acompanham. Há ainda a crença de que a IU faz parte do processo de envelhecimento, dificultando a busca por ajuda. A vergonha de expor uma situação considerada constrangedora também pode fazer com que as mulheres sofram caladas com a condição. Além disso, entre as mulheres que recebem o diagnóstico, apenas uma minoria faz o tratamento de forma adequada. O tratamento muitas vezes envolve mudança de hábitos, pois, além dos medicamentos e cirurgias, a opção por exercícios ou mudanças no estilo de vida são encorajadas, o que para muitas não gera adesão.3,10
Idade e obesidade são fatores de risco conhecidos para IU, e com o envelhecimento populacional e o estilo de vida moderno é provável que a condição seja cada vez mais prevalente na população. Há ainda falta de consciência sobre IU pelos profissionais de saúde, e uma das principais razões para isso é a percepção errônea e generalizada de que perder urina involuntariamente faz parte do processo de envelhecimento. Quanto antes a mulher é tratada, melhores os resultados. Gestações, partos e aumento de peso estão entre os fatores que aumentam a incidência da IU, principalmente quando essas mulheres entram na fase da menopausa.10 Dessa forma, é de extrema importância que os profissionais de saúde que trabalham com mulheres questionem suas pacientes sobre perdas urinárias de forma rotineira, mesmo quando elas ainda estão na fase reprodutiva, em que já possa ter ocorrido um prejuízo nas estruturas responsáveis pela continência.
Outros fatores de risco apresentados em estudos com populações grandes incluem histerectomia anterior, cirurgia pélvica, internação em lar de idosos ou demência.11
Como diagnosticar e tratar a incontinência urinária
O primeiro passo para o diagnóstico da incontinência urinária é uma boa anamnese, com coleta de dados referente a sintomas, história médica e obstétrica, dados antropométricos, medicamentos em uso e presença de comorbidades.
Normalmente, o primeiro profissional a ser consultado é o médico. Urologistas, ginecologistas, geriatras e clínicos gerais costumam ter mais acesso e oportunidade de tratar a questão da incontinência. Fisioterapeutas especializados na área também podem ser os profissionais que farão essa anamnese inicial, a fim de planejar um tratamento conservador adequado. Alguns dos aspectos específicos das queixas urinárias analisados durante a anamnese são: início e tempo de queixa, classificação e quantificação da perda urinária, frequência urinária noturna e diurna, dificuldade de esvaziamento vesical, presença de dor, infecções urinárias e constipação intestinal. A partir da anamnese, na maior parte das vezes é possível classificar a incontinência (esforço, urgência ou mista).
Na avaliação fisioterapêutica após a anamnese é feito um exame físico, com a palpação vaginal bidigital, para avaliar a funcionalidade da musculatura do assoalho pélvico, que pode ser incrementada com equipamentos como biofeedback eletromiográfico ou de pressão, para a tomada de medidas iniciais relacionadas à musculatura.1 Alguns casos precisarão de exames complementares, solicitados pelos médicos para melhor entendimento das possíveis causas da disfunção, como exame de urina, estudo urodinâmico e ultrassom de vias urinárias. O estudo urodinâmico é o estudo funcional do trato urinário inferior, que analisa fluxo urinário, volume residual após micção, cistometria, pressão de fluxo, pressão abdominal e uretral. Ele pode detectar alterações decorrentes de obstruções, baixa complacência ou hipersensibilidade, por exemplo.12
O tratamento da incontinência será recomendado com base na avaliação inicial. Para as queixas de incontinência de esforço, em que a fisiopatologia envolve fraqueza ou disfunção dos músculos do assoalho pélvico, o tratamento pode ser conservador ou cirúrgico, dependendo da gravidade da IU e da alteração anatômica. O tratamento conservador deve ser indicado como primeira linha de tratamento e envolve a fisioterapia baseada no treinamento dos músculos do assoalho pélvico. Esse treinamento é feito com exercícios específicos, com ou sem auxílio de equipamentos como biofeedback e eletroestimulação.13
Para a incontinência de urgência, ou bexiga hiperativa, cuja fisiopatologia envolve o controle vesical autonômico, as opções de tratamento podem incluir medicamentos, mudanças do estilo de vida (regulação de ingesta hídrica e treinamento vesical, por exemplo) e também a neuromodulação por eletroestimulação, tanto de uso ambulatorial, com estimulação percutânea do nervo tibial, como com implantes sacrais nos casos em que haja intolerância aos medicamentos ou ausência de resposta aos tratamentos conservadores.12,13
No caso da incontinência funcional, o profissional deve entender as disfunções que ocorrem simultaneamente e tratá-las. Quando houver alterações de equilíbrio e mobilidade, além do treinamento dos músculos do assoalho pélvico, o fisioterapeuta deverá trabalhar a reabilitação funcional, com treino de marcha e reajuste postural, por exemplo, além de utilizar estratégias de segurança em relação ao ambiente.14
Ainda sobre o tratamento conservador baseado em exercícios, é importante que o fisioterapeuta compreenda profundamente a biomecânica da pelve, as funções do assoalho pélvico e suas relações com os músculos e estruturas adjacentes. O treinamento dos músculos do assoalho pélvico deve ser feito de forma isolada, mas também de forma sincronizada com a respiração e com os músculos que estabilizam o tronco, de preferência em situações que simulem as atividades de vida diária.15
Juliana Schulze
Doutora em psicologia social pela PUC-SP; fisioterapeuta, professora do curso de fisioterapia da PUC-SP; professora de educação física, mestre em ciências da saúde e especialista em fisiologia do exercício
FONTE: REVISTA APTARE
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