Artigo

O COMEÇO DEPOIS DO FIM

Há algumas décadas, se um casamento era desfeito após 20 ou 30 anos de convivência, era o fim. Especialmente para as mulheres, condenadas que se sentiam à solidão e ao esquecimento.

A voz corrente sempre disse que o “mercado amoroso” permanece aberto aos homens em qualquer fase da vida, mas é pouco receptivo a nós, mulheres mais velhas.

Bem, não vamos fingir que isso acabou por completo… ainda existe. Mulheres ainda se ressentem da invisibilidade no mercado dos afetos depois dos 50, dos 60 anos. Mas é fato, também, que elas estão se despregando da condenação pelo esquecimento por uma razão até bem simples: quando se separam, depois de estarem casadas por muitas décadas, mulheres têm batalhado pela própria reconstrução. Com alguém… ou sem ninguém. O “sem ninguém”, aliás, precede o “com alguém” porque nós já entendemos que sobre bases frágeis nada se edifica. E também entendemos que separarmo-nos dói. Mas está longe de ser o fim do mundo.

Claro que não estou desqualificando a relevância de uma separação. O fim de um casamento é, sim, um marco importantíssimo na vida de uma mulher; pode vir embebido de dor, de ressentimentos, às vezes do sentimento de mágoa em looping e, para algumas, até estratégias de vingança. Mas deixar tudo isso passar é, também, uma escolha.

Aliás, o casamento é mais uma dentre tantas escolhas que fazemos na nossa vida. E escolhas são assim: fazem sentido numa época, deixam de fazer noutra. Quando não há sentido, olhar em frente e seguir um caminho diferente não é uma possibilidade, é uma necessidade.

A expectativa de vida das mulheres no mundo ocidental está beirando os 80 anos, de acordo com os dados mais recentes da OMS (2020). Se vamos viver tanto, é bom que deixemos para trás as más parcerias e as relações falidas para abrir espaço na mente e no coração para que uma vida nova – e com mais sentido – se instale.

Mais do que em qualquer outra fase da vida, na velhice as escolhas nos pertencem. Os roteiros já foram cumpridos – já casamos, já fizemos e criamos filhos, já construímos carreiras, erramos e acertamos, contemplando as expectativas de todos. Depois dos 50, está na hora de ir em busca do que – e de quem – traz brilho para os nossos olhos.

A vida, principalmente na velhice, não é para ser desperdiçada.

Inês de Castro

Jornalista, radialista, escritora brasileira
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