Artigo

POR QUE TANTO MEDO DA PALAVRA “VELHO”?

“Uma idosa de 57 anos foi atropelada…”

Por quase duas décadas, trabalhei numa rádio de notícias onde sempre foi comum ouvir esse tipo de frase para se referir à pessoa mais velha no centro de um acontecimento. Nunca escutei quem dissesse: um homem jovem de 28 anos. Sempre foi apenas um homem de 28 anos.

Sabe quando uma frase cai mal? Era o que eu sentia toda vez que a palavra “idoso” vinha na frente para nos representar. Eu me perguntava por qual razão a mulher de 58 ou o homem de 58 (ou mais que isso) precisam ser adjetivados com o carimbo da idade quando isso nada tem a ver com o fato em questão? Depois dos 50, a idade vira nossa principal identidade social. Nem importa o gênero; é a passagem do tempo que diz quem somos.

Passei a questionar os editores. Provoquei também as chefias e sugeri que refletissem sobre o que estávamos escrevendo e falando no ar, naquilo que eu enxergava como o reforço de um preconceito. No meu entendimento, veículos de comunicação precisam fazer exatamente o contrário: trabalhar para esclarecer e não para fortificar os estigmas.

Por um tempo – curto – meus apelos funcionaram. Mas, você sabe, tem a tal força do hábito e logo estavam redatores, editores e locutores (a maioria expressiva com menos de 50 anos) repetindo que um idoso de 60 anos isso… uma idosa de 65 aquilo…, potencializando a idéia da fragilidade nessa ponta da vida.

Qual teria sido a solução?

No caso de uma notícia, se a idade é algo relevante para determinar a condição do fato, que digamos simplesmente: um homem, uma mulher, uma pessoa de tal idade. E basta. Quem ouve que interprete porque mais que isso nada acrescenta e ainda – dependendo da entonação aplicada à leitura da notícia – forma o juízo de valor de que nós, os velhos, não precisamos.

Aproveito, aqui, para falar sobre a palavra VELHO porque, sim, tem horas em que ela é necessária e precisa ser dita.

Não uma, nem duas vezes fui repreendida por ouvintes que disseram: ah, Inês, não fala velho que fica feio. Fala idoso. Nessas ocasiões, sempre tive o cuidado de responder com outra pergunta: feio por quê?

Uma vez, entrevistando o escritor Rubem Alves, ele me disse: “usar a palavra idoso é um disfarce para o medo que temos de assumir a velhice. Somos é velhos”.

Rubem estava correto. Nós tememos a velhice porque nos assombraram a vida toda sobre ser velho. Construíram, para nós, a ideia de que ficar velho é ficar estragado, é ser esquecido, é não ser mais amado. Pegamos esse pacote para nós e o temos carregado pela vida sem questionar: quero? Preciso carregar esse rótulo? Daí, à medida que a idade avança, o sobrepeso avoluma

Ser velho não deprecia ninguém. O velho é só aquele que está há mais tempo nessa vida. Velho é – pela ótica do mais jovem – quem viveu mais do que ele. O que tem de errado ou de feio nisso? E se feiura estamos enxergando, o desvio é do nosso olhar que precisa ser reformado.

É urgente reabilitar a palavra VELHO. Não falo em ressignificar porque o sentido da palavra não mudou. Tampouco digo que é preciso usar a palavra VELHO a torto e a direito, como citei no começo deste texto, para fazer conexão com a idade quando ela é desnecessária no contexto.

Falo no resgate da palavra VELHO para dar à ela o sentido que realmente tem, quando nos referimos a algo que não é novo. Se há beleza num móvel antigo, numa árvore velha, numa obra de arte de outro século, porque esse olhar não pode ser aplicado a todos nós, as pessoas velhas?

Inês de Castro

Jornalista, radialista, escritora

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