Uma visita à cidade italiana de Turim!
E aproveitar a oferta cultural, tão bem explicitada pela UMBIGO:
A recheada semana da arte contemporânea de Turim começou com a abertura de uma exposição imperdível: Marisa e Mario Merz – La punta della matita può eseguire un sorpasso di coscienza, comissariada por Mariano Boggia, na Fundação Merz, que está no Bairro Borgo San Paolo. Junto às obras monumentais do casal, encontram-se mais três artistas que fizeram parte da vida deles: Remo Salvadori, Giulio Paolini e Richard Long. Como explica o curador, «Muitos trabalhos dos Merz são inéditos: foram descobertos numa casa em Milão e estão instalados como outrora estiveram. Com esta mostra, procuramos iluminar e esclarecer a sua prática, feita como era de relações, diálogos e trabalho constantes». As grandes pinturas sobre papel, as esculturas, os desenhos e os famosos néons utilizados por Mario Merz ao longo de toda a sua carreira – estes últimos representando a sequência numérica do matemático italiano Leonardo Fibonacci – criam um percurso super-poético, íntimo: é como entrar num universo privado, de maravilhas à espera de serem descobertas.
Em seguida, o corpo é o protagonista da mostra Stretching the Body, na Fundação Sandretto. Doze artistas internacionais contam-nos, utilizando a pintura, como a figura humana se transformou em terreno político de conflitos e dos problemas que são próprios dela, como questões sociais, de raça e de género. Giulia Andreani (Itália, 1985) materializa a preto e branco os estereótipos da feminilidade italiana, criando rostos que lembram os das velhas pin-up da década de 1950, aqui a comer esparguete; Avery Singer (Estados Unidos, 1987) mescla pinturas tradicionais com tecnologia; Wangari Mathenge (Quénia, 1973) narra nos seus quadros a história das novas gerações africanas, marcadas pelas diásporas e migrações dos pais e avós. Além de ser uma exposição interessante pelos conteúdos, Stretching the Body é um passeio curioso pelas modalidades de apresentação de temas atuais com os meios mais antigos da arte: tinta, pincel e tela.
Outra opção foi a abertura da mostra organizada pela Galeria Massimo De Carlo, na Villa Chiuminatto, maravilhosa residência no coração de Turim, hoje sede da start-up Newcleo. Durou somente três dias, mas deu a possibilidade – a quem estava na cidade por causa desta semana da arte – de ver instalados naqueles grandes salões uma coletiva de uma grande variedade de artistas: de Rob Pruitt a Luigi Ontani, de Richard Prince a Elmgreen & Dragset. E como se a arte não bastasse, ficam a saber que a casa foi teatro de sessões espíritas e de uma inquietante descoberta na década de 1990: reza a lenda que uma médium deu indicações sobre a existência de um corpo sepultado no jardim dos seus anfitriões; escavaram o local e ali acharam ossadas; pertenciam a um cavalo! A tradição e a alma esotérica de Turim nunca podem faltar numa narrativa piemontesa.
Já no Museu Ettore Fico, esse no Bairro Aurora, a deslumbrante e minuciosa mostra pessoal do artista americano Jack Pierson ocupa o segundo andar. Aqui estão expostas as obras da série intitulada Word Sculptures, iniciada em 1991, onde o artista utiliza velhas letras encontradas nas insígnias abandonadas de supermercados, casinos e fábricas. Com elas, Pierson cria frases ou simples palavras, evocando imagens íntimas no espectador. A estética piersoniana tem raízes profundas na cultura pop da década de 1960 e a utilização de objetos quotidianos colocou o seu trabalho ao nível de artistas como Rauschenberg ou Warhol. Se passarem por Turim, não a percam!
Também a não perder é a exposição de Martin Parr, We ❤ Sports, no Camera – Centro Italiano per la Fotografia. O coração usado no título a substituir a palavra love não foi colocado por acaso, mas por estrita vontade do fotógrafo inglês, que foi construindo a sua exposição em diálogo com o curador Walter Guadagnini. We ❤ Sports resume, através de cerca de 150 fotos tiradas em quase 50 anos, a trajetória do interesse de Parr pela figura humana em diversas situações sociais, como aqui se representa pelo desporto. Porém, mais do que propriamente a competição, Parr fala-nos das claques, dos hábitos dos fãs, das tradições que acompanham quem gosta de ténis ou de hóquei, futebol ou críquete. Por fim, o fotógrafo chega às praias de um certo mundo, onde o ambiente de tempo livre do tipo “ desportivo” se mistura com uma aparência globalmente kitsch. Porém, diz Parr: «Não estou interessado no kitsch, mas antes nas cores, nas figuras, nas estórias que encontro na praia». No Camera, esse conceito fica bem claro.
«Muitos visitantes me disseram que a Artissima foi facílima de seguir este ano. Acho que o comentário é verdadeiro, porque depois de toda a arte digital nascida com a pandemia, entramos agora numa época de arte feita com as mãos e sem intermediações», disse-nos a diretora do evento, Ilaria Bonacossa. Tratou-se, sem dúvida, de uma edição colorida, mais pop do que cool, mas nem por isso menos interessante. Valeu a pena atravessar o labirinto da secção Desenhos, concebido como uma verdadeira exposição, ou passear na área das galerias que este ano fizeram parte da Artissima pela primeira vez: é aqui que encontramos, entre outras, a portuguesa Duarte Sequeira, de Braga, com a solo show de Vanessa da Silva; ou o Hub India, um pequeno resumo daquela que é a arte indiana atual, cujas obras são visíveis também no Palácio Madama e no Museu de Arte Oriental, no centro de Turim, até 5 de dezembro.
Por último, eis que chegam as feiras, a reboque desta semana da arte, partindo da Artissima. Uma ótima surpresa foi a décima edição de The Others, a feira jovem dedicada a propostas de recentes galerias internacionais, que este ano se mudou para a sede do Torino Esposizioni, um grande complexo modernista criado na década de 1950 pelos arquitetos Ettore Sottsass e Pier Luigi Nervi.
Este ano trouxe também uma nova casa à Flashback, feira que mistura a arte antiga e a contemporânea. Assim, pela primeira vez, teve lugar no velho quartel Lamarmora, vizinho da Igreja da Gran Madre. Todavia, este é um lugar complicado, de lembranças históricas nada felizes: era aqui a filial da Gestapo italiana, no período do nacional-socialismo; o lugar foi teatro de várias execuções e torturas. Não obstante as boas intenções, a ideia de resgatar com a arte a alma sombria do edifício não produziu – aos nossos olhos – o resultado esperado
Finalmente, a DAMA. A recém-nascida feira turinesa teve este ano um período de exposição mais longo do que no passado: de 30 de outubro até 7 de novembro. Tendo em conta as incertezas do período que vivemos e as obrigações de segurança motivadas pela pandemia, os fundadores decidiram dividi-la por vários edifícios do centro da cidade, expondo em cada um deles somente uma obra, ativando dessa maneira uma divertida “caça ao tesouro”. Entre outras, encontramos no quintal do Palácio Carignano a instalação de Francesco Arena dedicada a Kurt Cobain; nas livrarias Luxembourg e La Bussola, respetivamente, as fotografias de Paolo Pellion di Persano, realizadas nos primórdios da década de 1970; e a tapeçaria de Ettore Favini, inspirada ao trabalho de Alighiero Boetti – outra presença, jamais esquecida, na mágica Turim.
FONTE: UMBIGO
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