O Portal LONGEVINEWS dá, hoje, uma notícia muito relevante:
A Organização Mundial da Saúde (OMS) vai retirar a classificação de velhice como doença da CID-11, que entra em vigor em janeiro de 2022. A confirmação foi recebida hoje pelo gerontólogo brasileiro Alexandre Kalache, que está em Londres e comentou a decisão com o Portal Longevinews: “É uma grande vitória da sociedade civil”.
Com a nova fórmula que deve entrar em vigor, dependendo de últimos detalhes em discussão no âmbito da OMS, a velhice entrará como possível fator associado à causa de uma morte, por exemplo, e não mais como a causa definida e assim registrada no diagnóstico médico. “Seria um grande retrocesso” a classificação de velhice como doença, acrescentou Kalache, um dos principais protagonistas do movimento que foi deflagrado em escala internacional, mas com especial vigor em países iberoamericanos, contra a decisão da OMS.
Como o Portal Longevinews tem informado, a classificação da velhice como doença resulta de um lobby no âmbito científico que envolveu vários atores e essa tipificação estava prevista para ocorrer com a nova edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-11), que entra em vigor em janeiro de 2022. Diversas organizações da sociedade civil, gerontólogos e outros especialistas se mobilizaram em diversos países, com o argumento, entre outros, de que essa classificação provocaria muita confusão em diagnósticos de doenças em idosos, além de alimentar os preconceitos contra esse segmento populacional em crescimento em países como o Brasil.
Em função da classificação, o pedido de demissão do diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebrejesus, chegou a ser defendido por organizações como a Confederação Espanhola de Associações de Idosos (CEOMA) e a Fundação Edad&Vida, também da Espanha. Os contrários à classificação consideram ser um enorme retrocesso para a luta por um envelhecimento ativo e saudável e uma contradição em relação a iniciativas como a Década do Envelhecimento Saudável, lançada pelas Nações Unidas para o período 2021-2030, e a publicação pela própria OMS, no início de 2021, de relatório denunciando o idadismo contra idosos, como o Longevinews também tem noticiado amplamente.
A trajetória e o lobby por um conceito polêmico
A defesa da velhice como doença foi feita em artigos como “É hora de classificar o envelhecimento biológico como uma doença” (“It is time to classify biological aging as a disease”), publicado a 18 de junho de 2015, na Frontiers in Genetics, por Sven Bylterrijs (da Faculdade de Ciências da Universidade de Ghent, na Bélgica), Raphaella Hull (da Fundação de Pesquisas em Biogerontologia e do Departamento de Bioquímica da Universidade de Oxford, Reino Unido), Victor Björk (do Instituto de Biologia da Universidade de Uppsala, Suécia) e Avi Roy (da Fundação de Pesquisas em Biogerontologia e do Instituto de Medicina Translacional, Escola de Ciências da Universidade de Buckingham, Reino Unido).
Desde então a ideia ganhou força, apesar de fortes argumentos contrários, por exemplo da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG). O processo continuou no âmbito da OMS e em 2018 a velhice como doença foi incluída como código de extensão para o item “Relacionado ao envelhecimento” (XT9T) na CID11, que textualmente estipula: “O envelhecimento significa “causado por processos patológicos que persistentemente levam à perda da adaptação do organismo e ao progresso em idades mais avançadas”.
Finalmente, em maio de 2019 a CID-11, incorporando a classificação de velhice como doença, foi aprovada na 72ª Assembleia Mundial de Saúde. A previsão é de que entre em vigor em 1º de janeiro de 2022. Os países-membros das Nações Unidas têm autonomia para decidir sobre o prazo e formato de implementação da nova CID.
Objetivamente, a CID-11 previa o código MG2A (relativo a “velhice sem menção de psicose; senescência sem menção de psicose; debilidade senil” (“old age without mention of psychosis; senescence without mention of psychosis; senile debility“). Com isso, o médico, ao assinar um atestado ou diagnóstico, pode considerar a velhice como a doença da pessoa em questão.
Reação internacional
Apesar de nunca ter alcançado o consenso na comunidade científica, a caracterização da velhice como doença na próxima CID-11, devidamente aprovada pela Assembleia Mundial da Saúde em maio de 2019, estava passando praticamente desapercebida até o episódio da morte, aos 99 anos, no dia 9 de abril de 2021, do príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth II, do Reino Unido. Como divulgou no dia 4 de maio o jornal The Telegraph, a causa da morte foi “idade avançada”, de acordo com o atestado assinado pelo médico Huw Thomas, líder da equipe médica que cuida da família real britânica. Algumas semanas antes do falecimento, no Castelo de Windsor, o príncipe havia sido submetido a uma cirurgia cardíaca.
A causa da morte chamou a atenção e o debate rapidamente incidiu sobre a classificação da velhice como doença pela CID-11. Os protestos aumentaram de forma crescente em vários países, inclusive no Brasil. Várias organizações científicas e da sociedade civil brasileira já se manifestaram a respeito, sempre com veemência contra a classificação. Casos da própria SBGG, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e Associação Nacional do Ministério Público de Defesa dos Direitos dos Idosos e Pessoas com Deficiência (AMPID).
Em âmbito internacional, a posição contrária à classificação de velhice como doença vem sendo sustentada por movimentos como o #Stopidadismo, de âmbito iberoamericano. A Associação Internacional de Gerontologia e Geriatria (IAGG, na sigla em inglês) também se posicionou contra a classificação.
Recentemente a Academia Latinoamericana de Medicina del Adulto Mayor também se posicionou, defendendo a revisão da classificação. Um artigo a respeito foi publicado no site da própria Organização Panamericana da Saúde (OPAS).
O movimento foi intenso, levando a OMS a rever sua decisão, que também foi comemorada por alguns governos, como o da Costa Rica. Em uma visita ao centro de longa permanência da Fundação Pro Personas Adultas Olores (Propam), nesta terça-feira, 13 de dezembro, o ministro da Saúde da Costa Rica, Daniel Salas, informou que foi feita uma intervenção junto à OPAS-OMS e que, “após uma análise mais aprofundada”, chegou-se a uma alternativa, a ser brevemente confirmada, como informou o Semanario Universidad.
Afirmou a publicação costarriquenha: “El Ministro explicó que la propuesta de Costa Rica solicitaba que la vejez no fuera considerada una causa de muerte sino que, en caso de un fallecimiento, si se desconoce la causa de muerte se determine como desconocida y que la edad sea solo un posible factor asociado. Esta propuesta también fue consideraba y «la aprobada tiene términos muy parecidos”, señaló Salas, que dijo se comunicará en el futuro con mayor detalle cuál será el cambio dentro de la Clasificación”.
Organizações sociais e especialistas aguardam agora os termos definitivos que entrarão na CID-11, próxima de entrar em vigor.
(Por José Pedro S. Martins, IN LONGEVINEWS)
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